DOM CASMURRO – CAPÍTULO 11
Machado de Assis fez um intervalo na narrativa e retoma aqui o que interrompeu no capítulo 3. Nos capítulos 4 a 7, apresenta alguns dos personagens e faz digressões nos capítulo 8, 9 e 10.
A PROMESSA
Tão depressa vi desaparecer o agregado no corredor, deixei o esconderijo, e corri à varanda do fundo. Não quis saber de lágrimas nem da causa que as fazia verter a minha mãe. A causa eram, provavelmente os seus projetos eclesiásticos, e a ocasião destes é a que vou dizer, por ser já então história velha; datava de dezesseis anos.
Os projetos vinham do tempo em que fui concebido. Tendo-lhe nascido morto o primeiro filho, minha mãe pegou-se com Deus para que o segundo vingasse, prometendo, se fosse varão, metê-lo na Igreja. Talvez esperasse uma menina. Não disse nada a meu pai, nem antes, nem depois de me dar à luz; contava fazê-lo quando eu entrasse para a escola, mas enviuvou antes disso. Viúva, sentiu o terror de separar-se de mim; mas era tão devota, tão temente a Deus, que buscou testemunhas da obrigação, confiando a promessa a parentes e familiares. Unicamente, para que nos separássemos o mais tarde possível, fez-me aprender em casa primeiras letras, latim e doutrina, por aquele Padre Cabral, velho amigo do tio Cosme, que ia lá jogar às noites.
Prazos largos são fáceis de subscrever; a imaginação os faz infinitos. Minha mãe esperou que os anos viessem vindo. Entretanto, ia-me afeiçoando à ideia da Igreja, brincos de criança, livros devotos, imagens de santos, conversações de casa, tudo convergia para o altar. Quando íamos à missa, dizia-me sempre que era para aprender a ser padre, e que reparasse no padre, não tirasse os olhos do padre. Em casa, brincava de missa -, um tanto às escondidas, porque minha mãe dizia que missa não era coisa de brincadeira. Arranjávamos um altar, Capitu e eu. Ela servia de sacristão, e alterávamos o ritual, no sentido de dividirmos a hóstia entre nós; a hóstia era sempre um doce. No tempo em que brincávamos assim, era muito comum ouvir à minha vizinha: “Hoje há missa?” Eu já sabia o que isto queria dizer, respondia afirmativamente, e ia pedir hóstia por outro nome. Voltava com ela, arranjávamos o altar, engrolávamos o latim e precipitávamos as cerimônias. Dominus, non sum dignus…1 Isto, que eu devia dizer três vezes, penso que só dizia uma, tal era a gulodice do padre e do sacristão. Não bebíamos vinho nem água; não tínhamos o primeiro e a segunda viria tirar-nos o gosto do sacrifício. Ultimamente não me falavam já do seminário, a tal ponto que eu supuha ser negócio findo. Quinze anos, não havendo vocação, pediam antes o seminário do mundo que o de S. José2. Minha mãe ficava muita vez a olhar para mim, como alma perdida, ou pegava-me na mão, a pretexto de nada, para apertá-la muito.
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NOTAS EXPLICATIVAS
- Dominus, non sum dignus… – frase em latim, significa “Senhor não sou digno…” e faz parte do ritual da missa católica. Foram palavras ditas pelo centurião de Cafarnaum por ocasião da cura de seu criado por Jesus (Mateus 8:8).
- Seminário de S. José – localizava-se na área atualmente ocupada pela Biblioteca Nacional, ao lado do Morro do Castelo, na cidade do Rio de Janeiro.
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Vocabulário
Digressões – desvio de rumo ou de assunto.
Verter – expelir; fazer correr um líquido para fora de um recipiente.
- Qual é a promessa contida neste capítulo?
- O que motivou esta promessa?
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Gabarito, Por favor!!
Olá, Carol! Obrigada pela visita ao nosso site. Quanto ao seu pedido sobre o gabarito das questões colocadas nos Capítulos da obra “Dom Casmurro”, não o colocamos porque nosso objetivo é que o leitor, ao fazer a leitura dos capítulos, mergulhe no enredo da história, de modo que consiga, ele mesmo achar as respostas. Isso representa uma forma de interpretação do texto ou da história escrita por Machado de Assis.