3. A INFÂNCIA
Do início da minha infância, lembro-me que morávamos em uma vila de casas, ou melhor, pequenos apartamentos grudados uns aos outros compostos de sala, quarto e cozinha. Não havia banheiro interno nas casas, apenas o lugar onde se faziam as necessidades biológicas, isto é, a privada ou WC. Lembro-me que a vila em que morávamos tinha o nome de Vila Morgado e ficava localizada no fim da Rua Quintino Bocaiúva, no centro da cidade de Manaus. Eram muitas as casas dessa vila, e em frente à nossa, ficava o lugar onde as mulheres lavavam roupa. Haviam vários tanques debaixo de uma cobertura de folhas de zinco, e era lá que as crianças e os adultos também tomavam banho.
Apesar da pouca idade que tinha (minha mãe me disse que moramos ali até eu completar três anos) lembro-me de uma mulher negra e gorda, que se vestia toda de branco e ficava a uma certa hora da tarde à entrada da vila diante de uma mesa cheia de doces. Algumas vezes, minha mãe me dava um doce branco, meio durinho, de que eu gostava muito. Era cocada feita por essa negra.
Lembro-me também de uma outra casa em que moramos. Ficava numa rua conhecida como Rua das Palhas. Era uma viela que começava em uma avenida que passava entre a antiga Escola Técnica Federal de Manaus e o Colégio Patronato Santa Terezinha. A casa era de madeira e tinha uma calçada bastante alta na frente. Em frente à calçada, lembro-me da existência de um arbusto: era pimenta-malagueta. Um dia, estava brincando na calçada e fui empurrada para cima desse arbusto, por um dos primos que morava próximo. Além do susto e da queda, também levei muitas ferroadas de formiga de fogo. Mamãe acudiu-me e fui levada imediatamente para o banheiro, a fim de me lavarem. Depois desse episódio, mamãe não me deixou mais ir para a casa de minha avó paterna, que morava vizinha a nossa casa, com medo de eu sofrer novamente alguma agressão por parte dos primos.
A próxima casa em que fomos morar (eu já estava com quatro anos) ficava na Rua Itamaracá, próximo à uma praça, que ficava em frente da Igreja Católica e que fazia parte do Colégio Dom Bosco. Era uma casa grande, com vários cômodos. Lembro-me que os fundos dessa casa fazia limite com os fundos de outra casa cuja frente era na Rua da Instalação. Foi com uma professora que morava nessa casa que tive os primeiros contatos com o ABC.
Minha mãe, muito cedo, começou a treinar-me a adquirir independência. Esse treino começou com a minha ida, sozinha, para a casa da professora. Não era longe e não tinha que atravessar nenhuma rua. Só tinha que seguir na calçada em direção à praça, dobrar na primeira esquina, seguir até à segunda esquina, entrar à direita da Rua da Instalação, andar um pouquinho mais e entrar na primeira porta: a porta da casa da minha professora, D. Sílvia.
Um belo dia, minha mãe foi perguntada por D. Sílvia, através do muro, se eu não ia para aula naquele dia. Minha mãe respondeu que eu já tinha saído de casa a algum tempo. Porém, D. Sílvia informou que até aquele momento eu ainda não havia chegado lá. Minha mãe, então, saiu esbaforida, à minha procura e qual não foi sua surpresa ao me ver sentada na raiz de uma grande mangueira que existia no caminho que eu fazia todos os dias, apreciando a brincadeira de alguns cachorros. Não lembro, mas devo ter levado uns carões de minha mãe.