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Literatura BrasileiraPasso a Passo da Leitura Literária

DOM CASMURRO – Capítulo 3

By 2 September 2010No Comments

DOM CASMURRO – Machado de Assis

Machado de Assis era de origem humilde e mulato – seus bisavós tinham sido escravos. Nasceu e passou a infância numa chácara situada no Morro do Livramento, Rio de Janeiro. Cedo ficou órfão de mãe, perdendo também o pai alguns anos depois. Foi criado pela madrasta. Não fez estudos regulares, mas aprendeu as primeiras letras numa escola primária de São Cristóvão. Foi sacristão da igreja de Lampadosa, cujo vigário lhe ensinou Latim.

Machado de Assis tinha tudo para se tornar mais um brasileiro perdido na multidão. Pobre, sem pai e mãe, teve apenas a madrasta que lhe deu apoio. Entretanto, não desperdiçou as boas oportunidades que a vida lhe ofereceu.

Machado de Assis é o exemplo de homem a ser seguido por nossos jovens.

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CAPÍTULO 3 – A DENÚNCIA

Ia entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome e escondi-me atrás da porta. A casa era a da Rua de Matacavalos, o mês novembro, o ano é que é um tanto remoto, mas eu não hei de trocar as datas à minha vida só para agradar às pessoas que não amam histórias velhas; o ano era de 1857.

– D. Glória, a senhora persiste na idéia de meter o nosso Bentinho no seminário? É mais que tempo, e já agora pode haver uma dificuldade.

– Que dificuldade?

– Uma grande dificuldade.

Minha mãe quis saber o que era. José Dias, depois de alguns instantes de concentração, veio ver se havia alguém no corredor; não deu por mim, voltou e, abafando a voz, disse que a dificuldade estava na casa ao pé, a gente do Pádua.

–  A gente do Pádua?

–  Há algum tempo estou para lhe dizer isto, mas não me atrevia. Não me parece bonito que o nosso Bentinho ande metido nos cantos com a filha do Tartaruga, e esta é a dificuldade, porque se eles pegam de namoro, a senhora terá muito que lutar para separá-los.

–  Não acho. Metidos nos cantos?

– É um modo de falar. Em segredinhos, sempre juntos. Bentinho quase não sai de lá. A pequena é uma desmiolada; o pai faz que não vê; tomara ele que as coisas corressem de maneira, que… Compreendo o seu gesto; a senhora não crê em tais cálculos, parece-lhe que todos tem a sua alma cândida.

– Mas, Sr. José Dias, tenho visto os pequenos brincando, e nunca vi nada que faça desconfiar. Basta a idade; Bentinho mal tem quinze anos. Capitu fez quatorze à semana passada; são duas criançolas. Não se esqueça que foram criados juntos, desde aquela grande enchente, há dez anos, em que a família Pádua perdeu tanta coisa; daí vieram as nossas relações. Pois eu hei de crer?… Mano Cosme, você que acha?

Tio Cosme respondeu com um “Ora!” que, traduzido em vulgar, queria dizer: “São imaginações do José Dias; os pequenos divertem-se, eu divirto-me; onde está o gamão?”

–  Sim, creio que o senhor está enganado.

– Pode ser, minha senhora. Oxalá tenham razão; mas creia que não falei senão depois de muito examinar…

– Em todo caso, vai sendo tempo, interrompeu minha mãe; vou tratar de metê-lo no seminário quanto antes.

– Bem, uma vez que não perdeu a idéia de o fazer padre, tem-se ganho o principal. Bentinho há de satisfazer os desejos de sua mãe. E depois a igreja brasileira tem altos destinos. Não esqueçamos que um bispo⑴ presidiu a Constituinte, e que o Padre Feijó⑵ governou o império…

– Governou como a cara dele! atalhou tio Cosme, cedendo a antigos rancores politicos.

– Perdão, doutor, não estou defendendo ninguém, estou citando. O que eu quero é dizer que o clero ainda tem grande papel no Brasil.

– Você o que quer é um capote; ande, vá buscar o gamão. Quanto ao pequeno, se tem de ser padre, realmente é melhor que não comece a dizer missa atrás das portas. Mas, olhe cá, mana Glória, há mesmo necessidade de fazê-lo padre?

– É promessa, há de cumprir-se.

– Sei que você fez promessa… mas, uma promessa assim… não sei… Creio que, bem pensado… Você que acha, prima Justina?

– Eu?

– Verdade é que cada um sabe melhor de si, continuou tio Cosme; Deus é que sabe de todos. Contudo, uma promessa de tantos anos… Mas, que é isso, mana Glória? Está chorando? Ora esta! Pois isto é coisa de lágrimas?

Minha mãe assoou-se sem responder. Prima Justina creio que se levantou e foi ter com ela. Segui-se um alto silêncio, durante o qual estive a pique de entrar na sala, mas outra força maior, outra emoção… Não pude ouvir as palavras que tio Cosme entrou a dizer. Prima Justina exortava: “Prima Glória! Prima Glória!” José Dias desculpava-se: “Se soubesse, não teria falado, mas falei pela veneração, pela estima, pelo afeto, para cumprir um dever amargo, um dever amaríssimo…”

NOTAS:

1. D. José Joaquim Coutinho da Silva, bispo do Rio de Janeiro, presidente da 1a. Assembleia Constituinte organizada após a Independência do Brasil.

2. Padre Diogo Antonio Feijó foi Regente durante a menoridade de D.Pedro II, durante dois anos (1835 a 1837)

Vocabulário.

Criançolas – meninos e meninas ainda sem muita malícia, apesar de crescidos.

Gamão – jogo de tabuleiro

Capote – movimento no jogo de gamão.

Interpretação do texto

1. O capítulo registra alguns personagens do romance. Quem são eles?

2. Em que consiste a denúncia a qual se refere o titulo deste capítulo?

3. D. Glória, a mãe de Bentinho, planejara mandá-lo estudar em um ______ e com isso torná-lo____________

4. A expressão “não comece a dizer missa atrás das portas” significa que;

a.(   ) a missa só pode ser dita na igreja

b.(   ) as ações precisam estar de acordo com os objetivos

c.(   ) qualquer pessoa pode rezar missa

5. O personagem José Dias refere-se a duas pessoas reais que participaram da vida política brasileira após a independência do Brasil: D. José Joaquim Coutinho da Silva, bispo do Rio de Janeiro e presidente da primeira Assembléia Constituinte, em 1823; e Padre Diogo Antonio Feijó, que foi regente por dois anos durante a menoridade de D.Pedro II. Esses fatos refletem:

a. (   ) a grande influência da Igreja Católica na vida política do Império

b. (   ) que a mãe de Bentinho queria que ele fosse ser padre para também ser político.

c. (   ) o pensamento de José Dias a respeito do futuro de Bentinho como padre.

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GABARITO

1. Bentinho (o próprio narrador); D. Glória (a mãe de Bentinho); José Dias; Capitu; Tartaruga (o pai de Capitu); Tio Cosme e Prima Justina.

2. O título refere-se à insinuação que José Dias faz a respeito da convivência entre Bentinho e Capitu, ambos adolescentes, pois o mesmo acha que os dois estão namorando.

3. D. Glória, a mãe de Bentinho, planejara mandá-lo estudar em um seminário e com isso torná-lo padre.

4. letra B

5. Letras A e C

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