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Literatura BrasileiraPasso a Passo da Leitura Literária

DOM CASMURRO – Capítulo 5

By 3 November 20102 Comments

Dom Casmurro – Capítulo 5

Propondo-se a retratar fielmente o personagem, o escritor realista tanto procura representar o seu mundo interior, analisando o seu caráter, motivações e interesses, como procura situá-lo em seu contexto social. É o que Machado de Assis faz com o personagem José Dias, nos capítulos 4 e 5. É a análise psico-social do personagem.

O agregado

Nem sempre ia naquele passo vagaroso e rígido. Também se descompunha em acionados, era muita vez rápido e lépido nos movimentos, tão natural nesta como naquela maneira. Outrossim, ria largo, se era preciso, de um grande riso sem vontade, mas comunicativo, a tal ponto as bochechas, os dentes, os olhos, toda a cara, toda a pessoa, todo o mundo pareciam rir nele. Nos graves, gravíssimo.

Era nosso agregado desde muitos anos; meu pai ainda estava na antiga fazenda de Itaguaí, e eu acabava de nascer. Um dia apareceu ali vendendo-se por médico homeopata; levava um Manual e uma botica. Havia então um andaço de febres; José Dias curou um feitor e uma escrava, e não quis receber nenhuma remuneração. Então meu pai propôs-lhe ficar ali vivendo com pequeno ordenado. José Dias recusou, dizendo que era justo levar a saúde à casa de sapé do pobre.

–        Quem lhe impede que vá a outras partes? Vá aonde quiser, mas fique morando conosco.

–        Voltarei daqui a três meses.

Voltou dali a duas semanas, aceitou casa e comida sem outro estipêndio, salvo o que quisessem dar por festas. Quando meu pai foi eleito deputado e veio para o Rio de Janeiro com a família, ele veio também, e teve o seu quarto ao fundo da chácara. Um dia, reinando outra vez febres em Itaguaí, disse-lhe meu pai que fosse ver a nossa escravatura. José Dias deixou-se estar calado, suspirou e acabou confessando que não era médico. Tomara este título para ajudar a propaganda da nova escola, e não o fez sem estudar muito e muito; mas a consciência não lhe permitia aceitar mais doentes.

–        Mas, você curou das outras vezes.

–      Creio que sim; o mais acertado, porém, é dizer que foram os remédios indicados nos livros. Eles, sim, eles, abaixo de Deus. Eu era um charlatão… Não negue; os motivos do meu procedimento podiam ser e eram dignos; a homeopatia é a verdade, e para servir à verdade, menti; mas é tempo de restabelecer tudo.

Não foi despedido, como pedia então; meu pai já não podia dispensá-lo. Tinha o dom de se fazer aceito e necessário; dava-se por falta dele, como de pessoa da família. Quando meu pai morreu, a dor que o pungiu foi enorme, disseram-me, não me lembra. Minha mãe ficou-lhe grata, e não consentiu que ele deixasse o quarto da chácara; ao sétimo dia, depois da missa, ele foi despedir-se dela.

–        Fique, José Dias.

–        Obedeço, minha senhora.

Teve um pequeno legado no testamento, uma apólice e quatro palavras de louvor. Copiou as palavras, encaixilhou-as e pendurou-as no quarto, por cima da cama. “Esta é a melhor apólice”, dizia ele muita vez. Com o tempo, adquiriu certa autoridade na família, certa audiência, ao menos; não abusava, e sabia opinar obedecendo. Ao cabo, era amigo, não direi ótimo, mas nem tudo é ótimo neste mundo. E não lhe suponhas alma subalterna; as cortesias que fizesse vinham antes do cálculo que da índole. A roupa durava-lhe muito; ao contrário das pessoas que enxovalham depressa o vestido novo, ele trazia o velho escovado e liso, cerzido, abotoado, de uma elegância pobre e modesta. Era lido, posto que de atropelo, o bastante para divertir ao serão e à sobremesa, ou explicar algum fenômeno, falar dos efeitos do calor e do frio, dos pólos e de Robespierre. Contava muita vez uma viagem que fizera à Europa, e confessava que a não sermos nós, já teria voltado para lá; tinha amigos em Lisboa, mas a nossa família, dizia ele, abaixo de Deus, era tudo.

–        Abaixo ou acima? perguntou-lhe tio Cosme um dia.

–        Abaixo, repetiu José Dias cheio de veneração.

E minha mãe, que era religiosa, gostou de ver que ele punha Deus no devido lugar, e sorriu aprovando. José Dias agradeceu de cabeça. Minha mãe dava-lhe de quando em quando alguns cobres. Tio Cosme, que era advogado, confiava-lhe a cópia de papéis de autos.

VOCABULÁRIO

Lépido – ligeiro, ágil

Homeopata – médico que trata as doenças com substâncias em doses muito pequenas

Botica – farmácia

Andaço de febres – epidemia de febres

Ordenado – salário, remuneração

Estipêndio – pagamento, remuneração

Apólice – documento que formaliza contrato de seguro

Robespierre – Maximiliano Francisco Isidoro de Robespierre (1758-1794), era advogado. Exerceu grande domínio político durante a crise decorrente da queda da monarquia por ocasião da Revolução Francesa. Acabou morrendo na guilhotina, para onde tinha mandado muitas pessoas.

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De acordo com Bentinho, José Dias:

a. (   ) fingiu ser médico para ganhar dinheiro

b. (  ) era um calculista. Todas as suas ações eram bem articuladas para redundar em benefícios para si.

2 Comments

  • Carol says:

    Gabarito, Por favor!!

    • Olá, Carol! Obrigada pela visita ao nosso site. Quanto ao seu pedido sobre o gabarito das questões colocadas nos Capítulos da obra “Dom Casmurro”, não o colocamos porque nosso objetivo é que o leitor, ao fazer a leitura dos capítulos, mergulhe no enredo da história, de modo que consiga, ele mesmo achar as respostas. Isso representa uma forma de interpretação do texto ou da história escrita por Machado de Assis.

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