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Literatura BrasileiraMovimentos e Períodos Literários

LITERATURA 3 – Trovadorismo português. Contexto histórico. A poesia trovadoresca.

By 17 January 201210 Comments

LITERATURA – ROTEIRO N° 03

1 – TEMA: Trovadorismo. Contexto histórico. Poesia trovadoresca e suas principais características.

2 – PRÉ-REQUISITO:

  • Ler com compreensão.
  • Conhecer os principais eventos históricos de povos europeus, principalmente de Portugal.

3 – META: Ao final do estudo, você deverá ser capaz de:

  • interpretar textos
  • relacionar o período literário da língua portuguesa aos principais eventos históricos ocorridos em Portugal
  • identificar as características de uma obra trovadoresca

4 – PRÉ-AVALIAÇÃO: O objetivo da pré-avaliação é diagnosticar o quanto se tem conhecimento de um assunto. Para isso, basta que você responda à Auto-avaliação que está no início deste Roteiro, antes de ler qualquer texto existente nele. Se você alcançar um resultado igual ou superior a 80 pontos, não precisa estudar o assunto, pois você já o domina suficientemente. Caso contrário, vá direto para as Atividades de Estudo.

5 – ATIVIDADES DE ESTUDO: Ler com entendimento é pré-requisito para se aprender qualquer coisa através da leitura. Portanto, faça o seguinte:

a) Tenha um dicionário de Português ao seu alcance, para consultá-lo sobre as palavras que você desconhece o significado;

b) Procure um lugar sossegado para ler os textos e fazer os exercícios;

c) Leia primeiro o texto; faça em seguida os exercícios; compare suas respostas com o gabarito e veja o que errou; retorne ao texto para verificar o porquê do erro.

6 – PÓS-AVALIAÇÃO: Após ter feito o estudo dos textos e os exercícios, responda às questões propostas na Auto-avaliação. Creio que você agora, acertará todas. Caso isso não aconteça, consulte as orientações dadas nas Atividades Suplementares.

7 – ATIVIDADES SUPLEMENTARES: Se você não conseguiu alcançar 80 pontos na Pós-avaliação, volte à leitura dos textos, agora com mais atenção. Sem pressa. A leitura com compreensão é a base da aprendizagem.

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AUTO-AVALIAÇÃO

Responda à estas questões antes de ler qualquer texto deste Roteiro. Atribua 05 pontos para cada resposta correta. Se você alcançar 80 pontos na soma total, parabéns! Você não precisa estudar este Roteiro, pois já domina suficientemente o conteúdo existente nele. Caso contrário, leia as orientações das Atividades de Estudo.

  1. O mais antigo documento da literatura portuguesa data de:

a. (   ) 1139                                  b. (   ) 1128

c. (   ) fins do século XII          d. (   ) fins do século XI

2. O autor do mais antigo documento da literatura portuguesa é:

a. (   ) D. Dinis                               b. (   ) Fernão Lopes

c. (   ) D. Afonso Henriques       d. (   ) Paio Soares de Taveirós

3. Uma das diferenças fundamentais entre as cantigas de amor e as de amigo é:

a. (   ) a autoria                                            b. (   ) o eu-lírico

c. (   ) a língua em que eram escritas     d. (   ) o caráter épico

4. Assinale a alternativa correta:

a. (   ) não houve prosa no período trovadoresco

b. (   ) a prosa, no período trovadoresco, sofreu a influência provençal

c. (   ) a prosa do período trovadoresco era exclusivamente histórica

d. (   ) a prosa do período trovadoresco era literalmente inferior à poesia do mesmo período.

5. A confissão da “coita d’amor”, amor respeitoso e platônico, vassalagem amorosa a uma dama inacessível são características das:

a. (   ) cantigas de amor             b. (   ) cantigas de amigo

c. (   ) cantigas de escárnio        d. (   ) cantigas de maldizer

6. A poesia, na Idade Média:

a. (   ) era independente da música

b. (   ) confundia-se com a prosa, pelo primitivismo da língua e dos recursos técnicos

c. (   ) era acompanhada de música

d. (   ) originou-se das antigas canções de gesta

7.  “Estes meus olhos nunca perderán,

Senhor, gran coita, mentr’eu vivo for,

E direi-vos, fremosa mia senhor,

Destes meus olhos a coita que hán:

Choran e cegan quando’alguen non veem

E ora cegam por alguem que veem.

O texto acima é um(a):

a. (   ) soneto                      b. (   ) cantiga de amor

c. (   ) cantiga de amigo      d. (   ) cantiga satírica

8. Refrão e paralelismo são recursos mais frequentemente encontrados:

a. (   ) nas cantigas de amor                             b. (   ) nas cantigas de amigo

c. (   ) nas cantigas de amor e de amigo        c. (   ) nas cantigas de mestria

9. Dá-se o nome de “tenção” às cantigas de:

a. (   ) amor          b. (   ) amigo       c. (   ) mestria     d. (   ) dialogadas

10. A chamada Época Provençal da literatura portuguesa caracterizou-se pelo fato de os:

a. (   ) escritores portugueses escreverem no dialeto provençal.

b. (   ) trovadores portugueses, independente do cunha nacional que imprimiam às suas cantigas, imitarem o trovadorismo de Provença.

c. (   ) trovadores portugueses falarem, em suas cantigas, da vida cortesã de Provença.

d. (   ) poetas portugueses traduzirem e cantarem as cantigas provençais.

11. “Ai, flores, ai flores do verde ramo

se sabedes (sabeis) novas do meu amado?

Ai, Deus, e u (onde) é (está)?”

Baseado nas características do período literário a que pertence o texto acima, escreva as palavras que completam as lacunas da frase abaixo:

Os versos pertencem a uma cantiga de (a) ____________, característica do (b) ______________ português, estética literária dos séculos XII, XIII e XIV.

12. Assinale 1 para as cantigas de amigo; 2 para as cantigas de amor; 3 para as cantigas de escárnio:

a. (   ) “Senhor fremosa (formosa), pois me non queredes

creer a coita (dor) en que me ten amor,

por meu mal é que que tan ben parecedes

e por meu mal vos filhei (tomei) por senhor

b. (   ) “Ai dona fea! foste-vos queixar

porque vos nunca loei (louvei) em meu trobar (cantar)

mais ora quero fazer un cantar

em que vos loarei (louvarei) toda via

e vedes como vos quero loar:

dona fea, velha e sandia!” (louca)

c. (   ) “Bailemos nós já todas três, ai amigas,

so (sob) aquestas avelaneiras frolidas (floridas)

e quen for velida (bela), como nós, velidas (belas)

se amigo amar,

so aquestas avelaneiras frolidas

verrá (virá) bailar”

13. “Coube ao século XIX a descoberta surpreendente da nossa primeira época lírica. Em 1904, com a edição crítica e comentada do Cancioneiro da Ajuda, por Carolina Michaelis de Vasconcelos, tivemos a primeira grande visão de conjunto do valiosíssimo espólio descoberto.” (Costa Pimpão).

A afirmativa se refere a uma época literária. Responda:

a) qual é essa “primeira época lírica” portuguesa?_________________

b) que tipos de composições poéticas se cultivavam nessa época?

14. Assinale a alternativa INCORRETA a respeito do Trovadorismo em Portugal:

a. (   ) Durante o Trovadorismo, ocorreu a separação entre a poesia e a música.

b. (   ) Muitas cantigas trovadorescas foram reunidas em livros ou coletâne-as que receberam o nome de cancioneiros.

c. (   ) Nas cantigas de amor há o reflexo do relacionamento entre senhor e vassalo na sociedade feudal: distância e extrema submissão.

d. (   ) Nas cantigas de amigo, o trovador (sempre um homem) escreve o poema assumindo o papel feminino.

15. Assinale a alternativa INCORRETA sobre as cantigas de amor:

a. (   ) Apresentam forte influência provençal e eu-lírico feminino.

b. (   ) Têm uma linguagem mais sofisticada que as cantigas de amigo.

c. (   ) Seu tema é o sofrimento amoroso ocasionado, em geral, pela diferença social existente entre o trovador e a amada.

d. (   ) A mulher amada, ou ignora a paixão do trovador ou está ciente dela e a despreza.

16. Qual a obra literária considerada o marco inicial do período trovadoresco em Portugal?

______________________________________________________

Gabarito

1. c      2. D      3. B     4. D        5. A     6. c    7. B      8. B     9. D    10. B

11. a) amigo   b) trovadorismo

12. a.(2)     b.(3)     c.(1)

13. a) o Trovadorismo       b) as cantigas de amigo, de amor, de escárnio e maldizer

14. Letra A

15. Letra A

16. A Cantiga da Ribeirinha.

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ANEXO A – Contexto Histórico do Trovadorismo em Portugal

Principais acontecimentos históricos de Portugal e do Mundo Conhecido

Ano

Acontecimento histórico

1308

Fundação da Universidade de Coimbra

1415

Conquista de Ceuta

1420

Início da expansão marítima: descoberta da Ilha da Madeira

O Trovadorismo ou Época Provençal – primeira época literária da língua portuguesa – estendeu-se de 1198 (data do mais antigo documento literário português, a cantiga A Ribeirinha, dedicada pelo autor Paio Soares de Taveirós, à dona Maria Pais Ribeiro, amante do rei D. Sancho I) a 1418, cerca de 220 anos, quando Fernão Lopes foi nomeado guarda-mor da Torre do Tombo, que era o arquivo histórico de Portugal.

Essas datas nos mostram que o início da literatura portuguesa está bem próximo da Independência de Portugal, conquistada em 1128, mas reconhecida por Castela apenas em 1143.

Historicamente, é um período marcado por lutas contra os árabes, cuja expulsão definitiva se deu no século XIII. Como em qualquer outro período, a literatura vai apresentar características que, direta ou indiretamente, refletem a sociedade da época.

Apesar de Portugal não ter conhecido as formas ortodoxas do feudalismo econômico, muitos dos relacionamentos sociais documentados na literatura da época, são tipicamente feudais. É também marcante, na cultura portuguesa desse período, a influência da Igreja Católica, que marcou profundamente a forma de encarar o mundo. A esta postura perante o mundo, fundada na ideia de que Deus é o centro do Universo, dá-se o nome de Teocentrismo, característica importante da cultura medieval, que aparece em várias de suas manifestações. O teocentrismo está muito bem caracterizado no texto abaixo de Hernani Cidade, contido na obra O Conceito de Poesia como expressão de cultura.

Um movimento como o das Cruzadas – que procurava sublimar, na guerra contra o infiel, as grandezas e misérias da combatividade e da ganância; uma criação como a catedral gótica ou como a Divina Comédia, de Dante (século XIII), que erguiam à morada de um Deus pessoal, de presença vivamente sentida, os próprios anseios que partiam das profundezas torvas das almas, tal como as agulhas e flechas se erguiam dos subterrâneos das fundações; uma obra de pensamento como a Summa Theologica, que era, na ordem do saber, como na ordem do poder, a teocracia de Gregório Magno, a tentativa e o esforço de tudo subordinado a Deus – interesses da inteligência tanto como da vontade – e tudo coroado pela Imitação de Cristo, alto voo místico, que fecha, no século XV, na ordem da inteligência, a ascese que na ordem da ação o franciscanismo realizara – eis os aspectos que definem a Idade Média como a idade do que podemos chamar de Teocentrismo.”

(Curso Abril Vestibular, Fascículo 1, 1ª. Edição)

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ANEXO B – Origens e influências no trovadorismo português

O Trovadorismo também conhecido como Época Provençal, tem esse nome em razão de que na região sul da França, conhecida como Provença, foi desenvolvido entre os séculos XI e XIII, a arte dos trovadores. Nessa época, os cavaleiros permaneciam mais tempo em suas casas, a vida nos castelos já tinha uma organização intensa, seus salões eram um polo fundamental de convívio e as mulheres começaram a adquirir uma posição importante dentro dessa organização, especialmente no sul da França.

No que tange à literatura, a França teve dois polos que emanaram influências importantes para o mundo literário da época: ambos desprezavam o Latim como meio de expressão e ambos refletiram diferentes aspectos do mundo medieval. A Região Norte da França produziu uma literatura épica, de caráter guerreiro e individualista, em que a mulher exercia uma função secundária: são os trouvères com sua épica. Na Região Sul da França, onde o feudalismo levou mais tempo para se diluir, surgiu uma lírica sofisticada, da qual o amor e a mulher eram os temas centrais: são os troubadours (trovadores) com sua lírica. Foi a partir dessa duplicidade que a literatura europeia se expandiu.

Apesar de o lirismo trovadoresco ter declinado na França a partir do século XIII – com as intervenções da Igreja Católica, que passou a impor o culto à Virgem Maria como tema aos trovadores – sua influência já era percebida em toda a Europa, cujos países souberam incorporá-la às suas próprias tradições. Foi o que aconteceu em Portugal.

Dentre os fatores que concorreram para a influência provençal na Literatura Portuguesa temos:

  • casamentos entre reis lusitanos e mulheres nobres do sul da França;
  • um dos reis de Portugal, D. Afonso III, viveu vários anos na França e quando retornou a Portugal trouxe na sua comitiva, trovadores provençais e um padre para cuidar da educação de seu filho, D. Dinis, este que foi um dos maiores trovadores lusitanos.
  • o comércio, os movimentos militares, os menestréis (que se apresentavam em praça pública)
  • a criação de bispados na Península Ibérica e as Cruzadas

A civilização provençal era muita mais requintada que a portuguesa. Daí ser a responsável por uma certa aristocratização da poesia portuguesa, que era muito mais visível nas cantigas de amor. As cantigas portuguesas eram transmitidas oralmente. Mas num determinado momento da história de Portugal, um rei mandou copiá-las em livro. Tais livros chamam-se Cancioneiros. Graças a eles é que hoje podemos ter conhecimento do que estamos informando aqui. Os mais importantes Cancioneiros são: da Ajuda, da Biblioteca Nacional e da Vaticana.

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ANEXO C – Características do Trovadorismos. A poesia trovadoresca.

O Trovadorismo é um movimento de caráter exclusivamente poético. As composições líricas desse período são chamadas de cantigas porque eram efetivamente cantadas com acompanhamento de instrumentos musicais que incluíam violas de arco, flautas, alaúdes, pandeiros. Os que cultivavam esse tipo de poesia eram chamados genericamente de trovadores, embora houvesse diferença entre os autores e intérpretes dessas cantigas. Os trovadores eram aqueles compositores que tinham origem nobre e que efetivamente compunham as cantigas; os jograis não eram fidalgos e cantavam composições próprias ou alheias em troca de pagamento (eis aí a origem dos cantores de rádio e televisão do século XX!); os segréis eram os jograis da Corte.

A literatura trovadoresca portuguesa é composta por poesia e prosa, mas a mais importante manifestação literária dessa época é a poesia representada pelas cantigas líricas – as de amor e de amigo; e cantigas satíricas – as de escárnio e maldizer.

1. Cantigas líricas: cantigas de amigo.

Muitas das cantigas de amigo portuguesas são anônimas e várias delas se perderam no tempo, por causa da sua origem oral e popular e a despreocupação inicial em fixá-las pela escrita. A influência provençal fez a tradição popular chegar aos palácios, de modo que os trovadores passaram a compor também as cantigas de amigo.

As cantigas de amigo são poemas líricos que contém a confissão de uma moça do povo, cujo sofrimento amoroso é causado pela ausência ou abandono do “amigo”, isto é, do namorado ou do amante. Expressam um amor mais sensual, mais vivo, talvez pelo contacto com a natureza, cenário da maioria dessas cantigas.

Apesar de expressarem o sofrimento amoroso da mulher, esses poemas foram escritos por homens que apresentam o eu-lírico feminino: o trovador assume o papel da mulher. Cabe aqui lembrar que o autor das cantigas sempre era um homem, pois as mulheres não tinham o direito de aprender a ler e escrever. Não há registro efetivo de nenhuma cantiga de amigo composta por mulheres.

É importante que se compreenda o conceito do “eu-lírico”. O eu-lírico é a pessoa que fala nos poemas líricos. Não é, necessariamente, autobiográfico. É tão ficção quanto os personagens criados por um romancista. Assim podemos dizer que, nas cantigas de amigo, o eu-lírico é feminino, enquanto que o autor é masculino.

O “amigo” a que se refere as composições é, na verdade, o namorado ou o amante. Várias dessas cantigas eram cantadas em festas, comemorações e rituais ligados à chegada da primavera. Por isso sua ligação com a dança e a música era mais efetiva do que nas cantigas de amor.

As cantigas de amigo apresentam três possibilidades de ambiente e roteiro:

a) cantigas de inspiração campestre relatando o encontro entre namorados numa fonte; ou a moça lamentando a ausência do amado que partiu para a guerra e não deu mais notícias ou que desapareceu sem cumprir as promessas feitas.

b) Cantigas em que a moça aguarda o namorado que vem pedir sua mão em casamento. Muitas vezes a moça se revela esperta, consciente da sua capacidade de seduzir e de provocar ciúmes.

c) Cantigas já adaptadas ao ambiente da Corte, nas quais o trovador, assumindo o papel da mulher, procura expressar o que ele supõe ser o lamento dela pela ausência do amado.

A vida cotidiana, a saudade do amigo que partiu para a guerra, o ciúme, a indignação, a vaidade de se saber bela, encontros fortuitos, bailes, festas, o colorido do mundo medieval português podem ser identificados nessas cantigas. Elas possuem uma tal beleza que permite ao leitor entrever os sentimentos que as motivaram. Na maior parte das vezes, a mulher não se dirige diretamente ao homem amado – adota uma confidente  que pode ser a amiga, a irmã, a mãe ou um elemento da natureza. Veja o exemplo abaixo:

“Ondas do mar de Vigo1,

se viste meu amigo?

E ai Deus se verrá cedo!2

 

Ondas do mar levado3,

se viste meu amado?

E ai Deus se verrá cedo!

 

Se viste meu amigo,

o por que eu sospiro?4

E ai Deus se verrá cedo!

 

Se viste meu amado,

por que ei gran coidado?5

E ai Deus se verrá cedo!

(Martim Codax. In: Torres, Alexandre Pinheiro, Antologia da poesia portuguesa. Porto: Lello & Irmão, 1977)

Vocabulário

1 – Vigo: praia da região da Galiza, norte do Rio Minho

2 – se verrá cedo: ele virá logo

3 – mar levado: mar agitado

4 – o por que eu sospiro: por quem eu suspiro

5 – por que ei gran coitado: por quem eu tenho muito carinho, cuidado

 

2. CANTIGAS LÍRICAS: Cantigas de amor

Embora Portugal não tenha tido um feudalismo na mais pura expressão da palavra, as cantigas de amor lusitanas refletiam a estrutura da sociedade feudal por causa da influência provençal. A submissão do vassalo (criado, servidor) ao seu senhor (nobre, dono das terras onde morava o vassalo) é transferida para o mundo das relações amorosas, e o mandamento número um do trovador é a fidelidade e submissão absoluta a sua musa.

As cantigas de amor contêm a confissão do sofrimento (coita) do trovador, que padece por amar uma dama (senhor) inascessível. Sofre pela impossibilidade de ver realizado o seu desejo de amor, já que a dama pertence a uma classe social superior a dele – ela é esposa ou filha de um nobre; ele, um servo. Tal inacessibilidade da mulher, em parte, representa o profundo distanciamento que, na Idade Média, existia entre as classes sociais. O amor que o poeta expressa é sempre platônico e respeitoso. O trovador reitera a promessa de servir, honrar, respeitar e nunca revelar a  identidade da sua amada.

Ora, sabemos que esse tipo de poesia saiu dos palácios, foi feita principalmente por nobres e a impossibilidade do trovador ter o seu desejo realizado ocorreria apenas em tese. Trata-se, portanto de um fingimento poético.

Um tema frequente é o panegírico impossível ou elogio impossível: a mulher amada é a mais bela de todas; é um ser divino. Mas ela é indiferente aos sentimentos do poeta. Ela não os conhece e, se sabe da existência deles, os despreza. É chamada de dame sans merci (dama sem piedade, sem compaixão). Esse amor impossível e inevitável faz com que o eu-lírico sofra por tornar-se prisioneiro desse sentimento e maldiga o dia de seu próprio nascimento.

As cantigas de amor apresentam uma linguagem mais erudita e sofisticada do que as de amigo. Sua estrutura é menos repetitiva, podendo apresentar ou não um refrão. O uso da palavra “senhor” (no masculino) nessas composições indicava a origem nobre da dama. Nessa época, era usada tanto para o homem como para a mulher, pois a palavra ainda não tinha ganho a terminação “a” para indicar o gênero feminino.

Abaixo apresentamos um fragmento da Cantiga da Ribeirinha, exemplo de cantiga de amor:

No mundo non me sei parelha1

mentre2 me for como me vai

3 já moiro4 por vós – e ai!

mia Senhor branca e vermelha5

queredes que vos retraia6

quando enton vos vi em saia!7

Mau dia me levantei,

Que8 vos enton non vi fea!

E, mia Senhor, des aque’di’ai!

me foi a mi mui mal;

E vós filha de Dom Paay

Moniz, e bem vos semelha(9)

d’haver eu por vos guarvaia(10)

pois eu, mia Senhor, d’alfaia

nunca de vos houve nen hei

valia d’uma correia(11)                               (Paio Soares de Taveirós)

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Vocabulário

1 – non me sei parelha: não sei de coisa semelhante

2 – mentre: enquanto

3 – cá: porque

4 – moiro: morro

5 – branca e vermelha: branca e com as faces rosadas

6 – queredes que vos retraia: quereis que vos retrate

7 – em saia: em roupas íntimas ou sem manto

8 – que: pois

9 – semelha: parece

10 – d’haver eu por vos guarvaia: que eu deva receber, por vosso intermédio, um traje de luxo

11 – valia d’uma correia: qualquer coisa de pouco valor

3. CANTIGAS SATÍRICAS: Cantigas de escárnio e de maldizer

São poemas satíricos que usam a sátira indireta (cantigas de escárnio), ora a sátira direta (cantigas de maldizer). Pelo seu caráter circunstancial, as cantigas satíricas são consideradas inferiores às líricas, apesar de documentarem, através da ironia, os costumes da sociedade da época.

As cantigas satíricas revelam o mundo boêmio e marginal dos jograis, fidalgos, bailarinas; enfim, dos artistas da corte, aos quais se misturavam religiosos e até mesmo reis. Um mundo com um código de ética próprio, que admitia certa liberdade de hábitos e costumes não partilhada pela sociedade em geral.

Com a finalidade de fazer críticas mordazes e com humor, muitos eram os temas das cantigas satíricas: os costumes, principalmente do clero; a covardia; a decadência de alguns nobres; os vilãos (aqui se referem às pessoas que moravam nas vilas medievais); o adultério das damas; os homens sovinas; os pobres que viviam de aparência; as mulheres feias; os beberrões.

As cantigas de escárnio são aquelas que fazem a crítica indiretamente, de forma sutil, sem indicar o nome da pessoa satirizada, lançando mão de uma linguagem mais velada, que muitas vezes admite duplo sentido, sem deixar de lado o aspecto humorístico.

As cantigas de maldizer fazem a crítica rude, direta, mencionando o nome da pessoa criticada, usando palavrões e, muitas vezes, enveredando pela obscenidade. Sua linguagem é chula e não se utiliza de ambiguidade.

Exemplo de cantiga de escárnio:

I. Se um rapaz e uma donzela,

Ficassem juntos na mesma cela…

Ó casal abençoado!

O amor tempera

Anima o noivado:

O tédio se oblitera.

II. Brincam juntos num só gesto

De bocas, pernas e o resto!

Ó casal abençoado…

Exemplo da cantiga de maldizer:

Eu sou o abade de Cocanha

E o meu capítulo são monges beberrões

E meu conselho é a confraria dos jogadores,

E quem me procurar na taberna ao cantar do galo,

Sairá de noite, liso e sem roupa,

E cantará, despido, o seguinte lamento:

Socorro! Socorro!

Quanto azar, dados malditos!

Estamos fritos,

Pobres e aflitos!

(Maurice van Woensel. Carmina Burana. Apresentação de Segismundo Spina, São Paulo, Ars Poetica, 1994)

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Exercícios:

Os textos abaixo são de cantigas medievais e foram adaptados para o português atual. Identifique cada uma de acordo com as características das cantigas de amor, de amigo, de escárnio ou de maldizer.

a) A dona que eu sirvo e que muito adoro

mostrai-ma, ai Deus! pois eu vos imploro

se não, dai-me a morte.    (Bernardo de Bonaval)

b) Trovas não fazeis como provençal

mas como Bernardo, o de Bonaval.

O vosso trovar não é natural.

Ai de vós, com ele e o Demo aprendestes.

Em trovardes mal, vejo eu o sinal

das loucas ideias em que empreendestes.

Por isso, D. Pero, em Vila-Real,

Fatal foi a hora em que tanto bebestes.     (D. Afonso X, o Sábio)

c) Ai flores, ai flores do verde ramo,

se sabedes novas do meu amado?

Ai, Deus, onde ele está?           (D. Dinis)

d) Ai, dona feia, foste-vos queixar

de que nunca vos louvei em meu trovar;

e umas trovas vos quero dedicar

em que louvada de toda maneira sereis;

tal é o meu louvar:

dona feia, velha e sandia!          (João Garcia de Guilhade)

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Gabarito

a. cantiga de amor

b. cantiga de maldizer

c. cantiga de amigo

d. cantiga de escárnio

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ANEXO D – SÍNTESE DAS CARACTERÍSTICAS DAS CANTIGAS  TROVADORESCAS

Cantigas de amor Cantigas de amigo Cantigas de escárnio Cantigas de maldizer
O trovador assume o eu-lírico masculino: é o homem quem fala. O trovador assume o eu-lírico feminino: é a mulher quem fala.
O objeto é sempre uma dama, “se-nhor”. O objeto é o ami-go: namorado ou amante. Os objetos são pessoas, costu-mes e aconteci-mentos sem reve-lação da identida-de da pessoa en-volvida O objeto são pessoas, costumes e acontecimentos com identificação da pessoa envol-vida
O objeto é idealizado pelas suas qualidades físicas, morais e sociais: beleza, bondade, lealdade, conheci-mento social. O objeto é caracterizado pelas su-as qualidades ne-gativas: mentiroso, traidor, desleal. Censura indireta aos vícios ou defeitos, através de ironia e sarcarmos. Censura e ridicularização direta à defeitos e vícios.
Expressa sentimentos de dor e mágoa por amar uma mulher inascessícel. Expressa os sentimentos femininos de saudades pela ausência do amigo o namorado ou amante. Utiliza linguagem bem popular, com duplo sentido e humorístico. Utiliza linguagem grosseira, de sentido direto e, às vezes, obsceno.
O cenário é a na-tureza e a corte O cenário é o campo, o mar e a casa
Sua origem é pro-vençal. Teve origem na Península Ibérica.

Os principais recursos poéticos empregados pelos trovadores são:

Refrão – o mesmo que estribilho, ou seja, a repetição de um ou mais versos em cada estrofe.

Paralelismo – repetição de uma ideia já expressa numa estrofe anterior, com pequenas alterações de palavras.

Tenções – cantigas em forma de diálogo

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LEITURA COMPLEMENTAR

O “amor cortês”

Em sociedade tão fechada, de estrutura medieval, o amor – o grande e eterno tema – vai ser uma manifestação de vassalagem feudal, já que as formas de vida e de pensamento são também feudais. O que significa que o feudalismo engendra uma maneira de pensar feudal, como hoje o capitalismo engendra uma maneira de pensar capitalista. O amor trovadoresco, o “amor cortês” (já que é esta sua designação típica), exigia que a mulher que se cantava fosse casada, fundamentalmente porque a donzela não tinha personalidade jurídica, uma vez que não possuía nem terras, nem criados, nem domínios, não era domina (“dona”). Em suma: não dispunha de “senhorios”. Ora, o poeta não vai prestar “serviço” a uma mulher que não seja “Senhor”, e nós encontramos extensamente o verbo servir como sinônimo de “namorar”, “fazer a corte”, etc.

Aliás, os casamentos entre a gente nobre faziam-se por conveniência e não por amor. Assim, o “amor” era algo de que “senhor” dispunha para conceder ao trovador que, encontrando-se ao seu “serviço”, ela achasse digno de receber o respectivo “galardão”, que podia ir ao extremo limite de favores corporais. Mas o “galardão” podia ser apenas (e era-o geralmente) a pura aceitação pela dama, do pleito de vassalagem do trovador.

(TORRES, Alexandre Pinheiro. Antologia da poesia portuguesa. Porto, Lello e Irmão, 1977)

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