TEXTO PARA INTERPRETAÇÃO 53 – CONVERSA DE COMPRA DE PASSARINHO (Nível Fundamental)
CONVERSA DE COMPRA DE PASSARINHO
Entro na venda para comprar uns anzóis e o velho está me atendendo quando chega um menino da roça, com um burro e dois balaios de lenha. Fica ali, parado, esperando. O velho parece que não o vê, mas afinal olha as achas com desprezo e pergunta: “Quanto?” O menino hesita, coçando o calcanhar de um pé com o dedo de outro. “Quarenta”. O homem da venda não responde, vira a cara. Aperta mais os olhos miúdos para separar os anzóis pequenos que eu pedi. Eu me interesso pelo coleiro do brejo que está cantando. O velho:
– Esse coleiro é especial. Eu tinha aqui um gaturamo que era uma beleza, mas morreu ontem; é um bicho que morre à toa.
Um pescador de bigodes brancos chega-se ao balcão, murmura alguma coisa: o velho lhe serve cachaça, recebe, dá troco, volta-se para mim: “- O senhor quer chumbo também?” Compro uma chumbada, alguns metros de linha. Subitamente ele se dirige ao menino da lenha:
– Quer vinte e cinco? Pode botar lá dentro.
O menino abaixa a cabeça, calado. Pergunto:
– Quanto é o coleiro?
– Ah, esse não tenho para venda, não…
Sei que o velho esta mentindo; ele seria incapaz de ter um coleiro se não fosse para venda; miserável como é, não iria gastar alpiste e farelo em troca de cantorias. Eu me desinteresso. Peço uma cachaça. Puxo o dinheiro para pagar minhas compras. O menino murmura: “- O senhor dá trinta…?” O velho cala-se, minha nota na mão.
– Quanto é que o senhor dá pelo coleiro?
Fico calado algum tempo. Ele insiste: “- O senhor diga…” Viro a cachaça, fico apreciando o coleiro.
– Se não quer vinte e cinco vá embora, menino.
Sem responder, o menino cede. Carrega as achas de lenha para os fundos, recebe o dinheiro, monta no burro, vai-se. Foi no mato cortar pau, rachou cem achas, carregou o burro, trotou léguas até chegar aqui, levou 25 cruzeiros. Tenho vontade de vingá-lo:
– Passarinho dá muito trabalho…
O velho atende outro freguês, lentamente.
– O senhor querendo dar quinhentos cruzeiros, é seu.
Por trás dele o pescador de bigodes brancos me fez sinal para não comprar. Finjo espanto: “- Quinhentos cruzeiros?”
– Ainda a semana passada eu rejeitei seiscentos por ele. Esse coleiro é muito especial.
Completamente escravo do homem, o coleirinho põe-se a cantar, mostrando sua especialidade. Faço uma pergunta sorna: “- Foi o senhor quem pegou ele?” O homem responde: “- Não tenho tempo para pegar passarinho.”
Sei disso. Foi um menino descalço, como aquele da lenha. Quanto terá recebido esse menino desconhecido, por aquele coleiro especial?
– No Rio eu compro um papa-capim mais barato…
– Mas isso não é papa-capim. Se o senhor conhece passarinho, o senhor está vendo que coleiro é esse.
– Mas quinhentos cruzeiros?
– Quanto é que o senhor oferece?
Acendo um cigarro. Peço mais uma cachacinha. Deixo que ele atenda um freguês que compra bananas. Fico mexendo com o pedaço de chumbo. Afinal digo com voz fria, seca: “- Dou duzentos pelo coleiro, cinquenta pela gaiola.”
O velho faz um ar de absoluto desprezo. Peço meu troco, ele me dá. Quando vê que vou saindo mesmo, tem um gesto de desprendimento: “Por trezentos cruzeiros o senhor leva tudo.”
Ponho minhas coisas no bolso. Pergunto onde é que fica a casa de Simeão pescador, um zarolho. Converso um pouco com o pescador de bigodes brancos, me despeço.
– O senhor não leva o coleiro?
Seria inútil explicar-lhe que um coleiro do brejo não tem preço. Que o coleiro do brejo é, ou devia ser, um pequeno animal sagrado e livre, como aquele menino da lenha, como aquele burrinho magro e triste do menino. Que daqui a uns anos quando ele, o velho, estiver rachando lenha no inferno, o burrinho, menino e o coleiro vão entrar no Céu – trotando, assobiando e cantando de pura alegria.
(RUBEM BRAGA. Quadrante. Rio, Editora do Autor, 1962)
Após a leitura do texto, responda às questões abaixo:
1. Achas de lenha são _________________________________________
2. Quais os significados da palavra achas nas frases abaixo:
a) Achas interessante essa crônica? ______________________________
b) Procuras o troco nos bolsos e não achas nada. ____________________
3. Transcreva do texto a frase que equivale a:
a) Calado, o menino concorda. ____________________________________
b) O menino titubeia. ___________________________________________
4. Relacione as palavras aos seus significados, de acordo com o texto:
a. roça ( ) caolho
b. desprezo ( ) altruísmo; ação em que não se visa ao interesse próprio
c. miúdos ( ) sem maiores objetivos; indolente; preguiçosa
d. brejo ( ) terreno de lavoura; campo em oposição à cidade
e. sorna ( ) desdém
f. desprendimento ( ) pequeno; espremido
g. zarolho ( ) banhado
5. Onde acontece o fato narrado no texto?
6. A atitude inicial do velho, dono da venda, para com o menino é:
a. ( ) atenciosa b. ( ) simpática c. ( ) de desprezo
7. Essa atitude era intencional?
a. ( ) Sim, porque desse modo, ele desvalorizava a mercadoria do menino, comprando-a por menor preço.
b. ( ) Não. O velho negocinate era mesmo seco e de pouca conversa.
8. Ao perceber o interesse do narrador do texto, o velho demonstrou:
a. ( ) satisfação, pois também ele gostava de pássaros.
b. ( ) aparente desinteresse pelo negócio.
9. Pelas compras feitas pelo narrador, deduzimos que o mesmo iria ______
10. O que disse o velho negociante, quando o narrador perguntou pelo preço do coleiro?
11. A resposta dada pelo negociante a respeito da venda do coleiro é verdadeira? ( ) sim ( ) não
Justifique sua resposta indicando passagens do texto.
12. A negociação empregada pelo velho, durante a compra da lenha, lhe parece justa e honesta?
a. ( ) Não. Ele estava explorando o menino, na certeza de que este não voltaria com a carga, já que tivera muito trabalho para cortar e trazer a lenha.
b. ( ) Sim, pois, como comerciante que era, procurava um modo de adquirir a mercadoria por menor preço e, assim, auferir maior lucro.
13. Quem o narrador julga que tivesse caçado o coleiro do brejo? Justifique com uma passagem do texto.
14. O narrador também usa da mesma técnica de negociação empregada pelo velho, para a compra do passarinho, isto é, desvalorizar a mercadoria com argumentos, demonstrar desinteresse com atitudes. Identifique sete trechos da narrativa que demonstram essa técnica de negociação usada pelo narrador.
15. Após tanta negociação, qual o abatimento que o narrador conseguiu quando desistiu da compra do passarinho?
16. Para onde se dirigiu o narrador com o material de pesca que adquiriu na venda?
17. Por que o narrador não compra, afinal, o coleiro?
18. Qual teria sido, na sua opinião, a atitude mais justa a ser tomada pelo narrador em relação ao coleiro? Justifique sua resposta.
19. Expresse, em poucas linhas, a mensagem que o texto sugere.
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GABARITO
Questão 1. São pedaços de madeira seca para fazer fogo.
Questão 2. a) julgar ou considerar interessante b) não encontrar
Questão 3.
a) “Sem responder, o menino cede.” (parágrafo 12).
b) “O menino hesita.” (parágrafo 1)
Questão 4.
a. roça ( g ) caolho
b. desprezo ( f ) altruísmo; ação em que não se visa ao interesse próprio.
c. miúdos ( e ) sem maiores objetivos; indolente; preguiçosa
d. brejo ( a ) terreno de lavoura; campo em oposição à cidade
e. sorna ( b ) desdém
f. desprendimento ( c ) pequenos; espremidos
g. zarolho ( d ) banhado
Questão 5. Numa casa de comércio.
Questão 6. Alternativa c
Questão 7. Alternativa a.
Questão 8. Alternativa b.
Questão 9. Pescar.
Questão 10. Disse que o coleiro não estava à venda.
Questão 11. Não. Trechos que comprovam a resposta:
- “Sei que o velho está mentindo; ele seria incapaz de ter um coleiro se não fosse para venda; miserável como é, não iria gastar alpiste e farelo em troca de cantorias.”
- “O senhor querendo dar quinhentos cruzeiros, é seu”.
- “Por trezentos cruzeiros o senhor leva tudo.”
- “O senhor não leva o coleiro?”
Questão 12. Alternativa a.
Questão 13. Um menino pobre, morador da zona rural. Trecho que comprova a resposta:
- “Sei disso. Foi um menino descalço, como aquele da lenha.”
Questão 14.
- “Eu me dessinteresso. Peço uma cachaça. Puxo o dinheiro para pagar minhas compras.
- “Fico calado algum tempo. Viro a cachaça.”
- “Passarinho dá muito trabalho.”
- “Finjo espanto. Quinhentos cruzeiros?”
- “No Rio compro um papa-capim mais barato.”
- “Acendo um cigarro. Peço mais uma cachacinha.”
- “Afinal, digo com voz fria, seca: Dou duzentos pelo coleiro, cinquenta pela gaiola.”
Questão 15. Duzentos cruzeiros.
Questão 16. À casa de Simeão, um pescador zarolho.
Questão 17. Porque, na sua opinião, um coleiro do brejo não tem preço, por ser um pequeno animal sagrado e livre, como o menino da lenha e seu burrinho.
Questão 18. Deveria tê-lo comprado e depois dar-lhe a liberdade, isto é soltá-lo na mata que é onde devem viver os animais silvestres.
Questão 19. Resposta pessoal.