TEXTO TÉCNICO PARA INTERPRETAÇÃO 14 –
APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA NO PERÍODO DE ALFABETIZAÇÃO
Ensinar alguém a ler e a escrever envolve defrontar-se com os problemas de alfabetização ligados ao ensino-aprendizagem da ortografia. Lembramos que estes problemas independem do método que o professor utiliza. Podem ocorrer com qualquer método, pois são relativos à própria natureza da escrita.
A aprendizagem da língua escrita se inicia e tem por condição, a aprendizagem das letras. Antes de mais nada, a criança precisa entender que os sons podem ser representados por letras. Esta aprendizagem não é fácil, pois as relações entre os sons e as letras não são sempre diretas. Há algumas relações mais simples e outras mais complexas. Por isso, o professor que alfabetiza deve estar bem preparado tecnicamente, isto é, deve dominar o conhecimento básico do sistema fonético/fonológico e de escrita utilizado em nossa língua, o português. De nada vai adiantar o professor saber os métodos de alfabetização, se ele não domina o conhecimento do sistema fonético/fonológico da nossa língua. Seu trabalho de alfabetizar poderá ser incompleto ou de difícil compreensão por parte da criança. Não é à toa que encontramos tantas crianças e até adolescente e adultos mal alfabetizados. Não aprenderam a ler e a escrever direito por causa do professor mal preparado para realizar esse trabalho.
A aprendizagem da ortografia deve se processar por etapas sucessivas, do mais simples para o mais complexo. Aprender a utilizar corretamente as letras é uma tarefa penosa. Para alcançar o domínio completo da ortografia, a criança terá que passar por diversas etapas à medida que aumenta seu contato com a língua escrita.
1a. etapa
Assim que entrar em contato com a língua escrita, o aluno deverá descobrir que os sons que ele fala podem ser representados por letras. Este é o período básico da escrita. Nesta etapa, o aluno acha que a língua escrita é uma reprodução fiel da fala. Tende, portanto, a escrever exatamente como fala.
Nesta 1a. etapa, a criança já entendeu que as letras são símbolos que representam sons. Concebe, porém, a escrita como uma representação fonética.
Uma vez que a tendência da criança é achar que se escreve como se fala, o professor deve começar o seu trabalho, nesta 1a. etapa apenas com os casos mais simples da ortografia.
Os casos mais simples da ortografia são aqueles em que um fonema ou som é sempre representado pela mesma letra. Por exemplo: o fonema “bê” é representado pela letra b e esta letra sempre representará o fonema “bê”.
Outros exemplos de relação simples: /pê/ ——- p /tê/ ——— t /dê/ ——- d /fê/ ——- f /vê/ —– v
Apresentando em primeiro lugar apenas as letras que estão sempre relacionadas com o mesmo fonema, o alfabetizador estará agindo de acordo com a ideia que a criança faz acerca da ortografia.
2a. etapa
É claro que não podemos deixar a criança acreditar, por muito tempo, que cada letra representa um fonema e cada fonema é representado sempre por uma única e mesma letra.
Na segunda etapa da aprendizagem da ortografia, o alfabetizador deverá levar a criança a compreender que um mesmo fonema pode ser representado ora por uma letra, ora por outra, de acordo com a sua posição na palavra. Por exemplo: o fonema / i / pode ser representado pela letra “i” ou pela letra “e”. O fonema / i / é representado pela letra “e” quando este fonema for átono e está no final da palavra. Exemplo: leite – doce – deve. Quando o fonema / i / for tônico, é representado pela letra “i”, independente de sua localização na palavra. Exemplo: igual – amigo – ouvido – açaí
O ensino do emprego das letras, de acordo com o contexto da palavra, deve ser a 2a. etapa no ensino da ortografia. Nesta etapa, o professor deve ajudar o alunos a perceber que nem sempre escrevemos como falamos. Muitas vezes, falamos de um jeito e escrevemos de outro.
Exemplo: falamos: escrevemos:
[ patu ] pato [ sau ] sal [ deli ] deleÉ importante que o professor explique ao seu aluno que um mesmo som pode ser representado por letras diferentes de acordo com a sua posição na palavra.
Nesta etapa o professor tem de se certificar que o aluno aprendeu que:
- os sons são representados por letras
- existem sons que são representados por uma única letra
- existem sons que são representados por mais de uma letra de acordo com a sua posição na palavra.
3a. etapa
Nesta etapa, o aluno deve aprender que existem sons que podem ser representados por mais de uma letra, na mesma posição dentro da palavra, sem que se saiba, antecipadamente, qual destas letras deverá ser escrita. São as letras rivais. Observe os exemplos a seguir.
O som /zê/, entre duas vogais, pode ser representado pelas letras z, s e x. Veja:
/ azar / – azar / kaza / – casa / ezami / – exame
Quando temos uma palavra com o som /zê/, não é possível saber qual a letra que o representará. O emprego correto das letras rivais só pode ser aprendido através da visualização da palavra. É uma aprendizagem que se processa por memória visual, ou seja, é impossível saber a ortografia da palavra, se não a vimos escrita corretamente.
Por que isto acontece? Tal situação é decorrente da origem das palavras que pode ter sido do latim ou do grego que são as raízes da língua portuguesa. Enquanto os filólogos atuais não se dispuserem a fazer um estudo mais aprofundado sobre estes problemas no sentido de eliminar essas duplicidades, a exemplo do que foi feito no decorrer do século XX, (quando farmácia era escrita com ph – pharmacia) nossos alunos e professores terão de enfrentar mais essa dificuldade para aprender a grafia das palavras em português.
Por isso, os erros no emprego de letras rivais são naturais e não devem ser supervalorizados pelo professor ao fazer uma avaliação. Observamos que até mesmo pessoas mais instruídas têm dúvidas quanto a escrita de algumas palavras e o melhor mesmo é recorrer a um bom dicionário.
CRITÉRIOS DE DIFICULDADE E PRODUTIVIDADE
Ao organizar o processo de alfabetização, o professor deve ter o cuidado de obedecer aos critérios de dificuldade e produtividade.
Critério de dificuldade.
Vimos que o ensino da ortografia deve ser feito por etapas que vão das letras mais simples para as mais complexas. Esta ordenação é dada pelo que chamamos CRITÉRIO DE DIFICULDADE. Apresentamos, a seguir, uma sugestão para uma gradativa apresentação de dificuldades ortográficas.
- Na primeira unidade de ensino só devem constar relações simples entre fonema e letra: cada fonema, uma letra e para cada letra, um fonema.
Exemplo: / pê / – p ; / a / – a ; / tê / – t ; / a / – a = pata
/ bê / – b ; / a / – e ; / lê / – l ; / a / – a = bala
/ mê / – m ; / u / – u ; / dê / – d ; / a / – a = muda
- A apresentação de duas letras que podem representar dois fonemas em algumas posições da palavra e não em outras, deve ser feita iniciando-se pelos ambientes onde as letras não se confundem.
Exemplo: a letra r e o dígrafo rr são rivais na representação do fonema / rê / em apenas algumas posições da palavra. Uma possível gradação na apresentação de r e rr pode ser esta:
1o. – / rê / representado por r entre duas vogais = caro, careta, paro
2o. – / Rê / representado por r no início da palavra = rua, rato, rumo, roda
3o. – / Rê / representado por rr entre duas vogais = morro, carro,
- As letras que representam o mesmo som em posições diferentes da palavra devem ser apresentadas da seguinte forma:
1o. – as letras que são mais utilizadas num maior número de palavras;
2o. – as letras que são menos utilizadas num menor número de palavras.
Exemplo: o fonema / guê / pode ser representado pela letra g (gota) ou pelo dígrafo gu (guerra). Deve ser ensinado primeiro a letra g, chamando a atenção para o detalhe que esse fonema (guê) só é representado por essa letra antes das vogais a, o, u: gato, gola, gula.
Depois é que se vai ensinar que esse mesmo fonema (guê) será representado pelas letras gu quando aparecer antes das vogais e, i: guerra, guia.
- As letras que representam o mesmo fonema no mesmo ambiente (letras rivais) devem ser apresentadas individualmente, obedecendo ao critério de produtividade.
Critério de produtividade
No sistema ortográfico, algumas letras são mais produtivas do que outras. Letras mais produtivas são aquelas com que se escreve um maior número de palavras. Quando o professor tem que decidir a ordem de ensino de duas letras que representam o mesmo som, deve escolher primeiro aquela que possui maior produtividade.
Como exemplo, damos as letras c e qu para representarem o som / k /. Embora qu apareça em palavras muito frequentes na língua (que, porque, quilo, queda), é com a letra c que escrevemos a maior parte das palavras com o som / k /: cola, casa, cair, cuidar, cabo, cubo.
Uma possibilidade de ordenação das letras e seus respectivos fonemas a serem ensinados na alfabetização, é a ordem das consoantes no ABC, tendo-se o cuidado de obedecer aos critérios de dificuldade e produtividade.
As vogais não obedecem a uma ordenação específica. Mas como elas fazem, basicamente, parte da sílaba na língua portuguesa, o melhor será ensiná-las primeiro, obedecendo aos critérios de dificuldade e produtividade e só depois juntá-las às consoantes, seguindo os mesmos critérios. Ao se ensinar as vogais, deve-se apresentar palavras formadas apenas por vogais. Exemplo: eu, aí, oi, ui, ai.
Ao se iniciar o ensino das vogais com as consoantes deve-se fazê-lo a partir da combinação CV (consoante + vogal) e com a consoante que permita a combinação com todas as vogais. Exemplo: a letra B permite a combinação com todas as vogais – ba, be, bi, bo, bu.
Queremos, ainda, chamar a atenção para o número de sílabas das palavras a serem ensinadas durante o período de alfabetização. Deve-se sempre estar atento para o critério de dificuldade: sempre ir do mais simples para o mais complexo. Inicie com palavras de uma sílaba e, à medida que os alunos forem dominando o que está sendo ensinado, vá acrescentado palavras com duas, três ou mais sílabas. Deve-se atentar também para a acentuação silábica das palavras. Devem ser usadas palavras com acentuação tônica diferente: oxítonas – vovó; paroxítonas – casa; proparoxítonas – árvore. Naturalmente que essa classificação só será ensinada posteriormente quando o aluno já estiver em séries mais adiantadas.
Para completar nossas considerações acerca do ensino da ortografia, relacionamos algumas atitudes e procedimentos que o professor pode utilizar para levar seus alunos a entenderem melhor o funcionamento da ortografia em língua portuguesa.
1o. – levar o aluno a compreender o que é escrita, sua padronização e suas funções;
2o. – ensinar as letras do alfabeto com seus nomes;
3o. – ensinar as relações das letras com os sons;
4o. – ensinar as combinações entre as letras;
5o. – mostrar que a escrita de uma palavra pode corresponder a diferentes pronúncias;
6o. – acentuar que, em alguns casos, a ortografia não corresponde a nenhuma pronúncia. Exemplo: não existe som para a letra h inicial nas palavras em português;
7o. – deixar que a criança pergunte (e não tenha medo de fazê-lo) a ortografia correta das palavras;
8o. – não marcar os erros ortográficos cometidos com a finalidade de punição, e sim, para favorecer e incentivar a correção dos próprios erros, levando o aluno a pesquisar a escrita correta das palavras;
9o. – não supervalorizar o erro ortográfico como o único critério para medir a alfabetização da criança.
10o. – à medida que se for ensinando as palavras, as mesmas devem ser acompanhadas de seus significados.
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Agora, baseado no texto lido, responda às questões abaixo.
- Responda: Qual a primeira etapa na aprendizagem da ortografia?
- Complete as frases:
a) A aprendizagem da língua escrita se inicia pela aprendizagem da ____________________
b) Os casos mais simples da ortografia são aqueles em que cada______________ é representado por uma __________
c) O uso correto das letras ____________ constitui uma dificuldade para qualquer pessoa.
- Analise a situação a seguir e depois responda ao que se pede.
Uma criança de 1o. ano do Ensino Fundamental escreve corretamente palavras como bola, macaco, pato, mas comete erros como pexe, xuva, caza. Esta criança pode ser considerado alfabetizada? ( ) sim ( ) não Justifique sua resposta.
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GABARITO
- A primeira etapa na aprendizagem da ortografia é aquela em que a criança acha que a ortografia é uma reprodução fiel da fala.
- a) A aprendizagem da língua escrita se inicia pela aprendizagem da ortografia
b) Os casos mais simples da ortografia são aqueles em que cada fonema é representado por uma letra.
c) O uso correto das letras rivais constitui uma dificuldade para qualquer pessoa.
3. Sim. Esta criança pode ser considerada alfabetizada, pois dominou o princípio básico da escrita de que os sons podem ser representados por letras.