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Ensino TécnicoTEXTOS PARA INTERPRETAÇÃO

TEXTO TÉCNICO PARA INTERPRETAÇÃO 15 – A IMPORTÂNCIA DO TEXTO ESPONTÂNEO

By 20 March 2014No Comments

TEXTO TÉCNICO PARA INTERPRETAÇÃO 15 – A IMPORTÂNCIA DO TEXTO ESPONTÂNEO

Será que a aprendizagem da língua escrita é apenas saber escrever corretamente a ortografia das palavras?

 A IMPORTÂNCIA DO TEXTO ESPONTÂNEO

          O ato de escrever é um ato de comunicação. Envolve a relação entre um emissor (aquele que escreve), um receptor (aquele que lê) e uma mensagem (aquilo que está escrito). O importante neste ato é a capacidade que deve ter o emissor de colocar a mensagem de forma que o receptor perceba claramente o que o emissor transmite. Neste sentido, a escrita aproxima-se bastante da fala. Ao falarmos, praticamos um ato linguístico através do qual interagimos com o nosso ouvinte.

Quando a criança ingressa na escola, já possui a capacidade de praticar atos de fala – transmite mensagens orais através das quais os ouvintes tomam consciência das suas intenções. A tendência imediata da criança é produzir textos escritos bastantes semelhantes àqueles que produz na fala. A criança é, naturalmente, uma “contadora de histórias”. É através da história que a criança expressa a sua visão de  mundo, a sua experiência e, principalmente, desenvolve a capacidade de descentração, ou seja, de sair de si mesma.

É bastante comum que o professor alfabetizador, preocupado com a correção ortográfica, iniba esta capacidade natural da criança. É necessário que, ao contrário, o professor incentive a criação do texto espontâneo, dando assim, margem ao desenvolvimento da capacidade de expressão da criança.

Observe abaixo, o texto produzido por uma criança de 2o. ano do Ensino Fundamental:

Texto escrito pela criança

Texto traduzido com correção ortográfica

 

Era uma vez uma bela ador mesida que xamava Elizabéte apa receu umbripi abechou tivagarinho e oseste anãodimirarão é lalevãotou e falou quei é você eu sou abrisipi um brisipe obrisipi falou euquérocaza com vose eu tabeiquéro cazar com você viverão fezes para sebre na casté lo cazarão parasebre.

 

 

Era uma vez uma bela adormecida que se chamava Elizabete. Apareceu um príncipe que a beijou devagarinho e os sete anões se admiraram. Ela levantou e falou:

– Quem é você?

– Eu sou um príncipe.

O príncipe falou:

– Eu quero casar com você.

– Eu também quero casar com você.

E viveram felizes para sempre no castelo. Casaram para sempre.

 

Podemos perceber que o texto da criança revela uma capacidade real de estruturar uma história na forma escrita. O texto possui início, meio e fim, constituindo uma unidade de comunicação. Esta criança entendeu o que é um texto, embora ainda não seja capaz de escrever dentro dos padrões corretos de ortografia.

É importante que estejamos alertas para um outro aspecto do texto espontâneo. Quando a criança se aventura a escrever palavras que nunca viu escritas, aumentam suas chances de cometer erros ortográficos. Através destes erros ortográficos, a criança demonstra, porém, grande capacidade de reflexão e vai construindo hipóteses acerca da escrita das palavras.

Analisando o texto do exemplo, podemos identificar algumas hipóteses relacionadas aos erros ortográficos cometidos pela criança:

A)    HIPÓTESE FONÉTICA – a criança utiliza a própria fala como referência para escrever, isto é, escreve como fala. Exemplo: quei  (quem)  oseste (os sete)

B)    HIPÓTESE ORTOGRÁFICA – a criança decide pela forma escrita de uma palavra baseada naquilo que já aprendeu da ortografia.

1 – utiliza uma letra que, embora possa ser usada naquele contexto, não é correta na palavra em questão.

Exemplo: cazar (casar)      adormesida   (adormecida)

2 – emprega a letra que já viu ser utilizada na representação daquele som.

Exemplo:  xamava  (chamava)    apareseu  (apareceu)

A separação correta das palavras (segmentação) é outro problema que o aprendiz de língua escrita enfrenta.

Exemplo: umbripi   (um príncipe)   abechou  (a beijou)     euquérocaza  (eu quero casar)

A criança resolve a segmentação das palavras baseando-se na fala e só o contato continuado com a escrita fará com que ela perceba a segmentação na ortografia. No entanto, o professor pode ajudar seus alunos na percepção da separação correta das palavras, através de exercícios como:

. desenhar vários retângulos e pedir às crianças que escrevam cada uma das palavras de uma frase dentro de um retângulo.

Exemplo:   O gato fugiu.    [O]   [gato]    [fugiu]

. pedir que as crianças destaquem de uma sentença, palavras que começam ou terminam com determinado som.

Exemplo:  da frase – o gato fugiu – apontar a palavra que começa com o som de /ga/.

IMPORTANTE – O professor deve, primeiro, deixar que a criança escreva espontaneamente para só depois levá-la a escrever ortograficamente. Mas isso deve ser feito, logo em seguida ao texto espontâneo. Assim o professor estará ajudando a criança a fixar a escrita correta das palavras e sua segmentação.

A criança cria textos naturalmente. Frequentemente, a criança é levada, no entanto, a assimilar um padrão artificial de texto que em nada corresponde à sua realidade linguística. Veja os exemplos a seguir:

Zazá viu o menino na cama.                      A ave botou o ovo e voou.

Ela rezava, rezava e dizia:                         Vavá viu o ovo e falou:

– Uma beleza! Uma beleza!                        – O ovo é belo!

Zazá levou para o menino                          Tia Vivita falou:

Uma roupa azulada.                                   – Vavá, o ovo é da ave.

É fácil se perceber a artificialidade dos textos dados como exemplo. Ninguém ou nenhum criança fala ou  constrói textos como esses no seu dia-a-dia. Geralmente, os textos que aparecem nos livros didáticos para alfabetização têm por único objetivo fixar determinadas letras e padrões silábicos. É o que percebemos nos textos acima. No primeiro texto aparecem várias palavras onde as sílabas za, ze, zi, zu são usadas. Mas o texto apresenta uma incoerência gritante: a frase dita por Zazá não é uma reza e sim uma exclamação de alegria ou surpresa! Se queremos ensinar os alunos a se comunicar por escrito, temos que ter em mente a coerência do que vai ser escrito, isto é, ensiná-los a colocar no papel a mensagem que tenha principio, meio e fim e que se relacionem umas com as outras no seus sentidos. No segundo texto, vemos que a maior preocupação é o treinamento da letra V. Há muitas palavras escritas com “v”: ave, ovo, voou, Vavá, viu, Vivita.

O ensino da leitura e escrita não se resume apenas em saber pronunciar as palavras e escrevê-las com a sua ortografia correta. O aluno estará alfabetizado pela metade se tal acontece. De que vai adiantar ele dominar essa etapa do seu aprendizado se não lhe for ensinado como relacionar as palavras de forma que elas transmitam corretamente o seu pensamento? É como se dessem as ferramentas para um determinado trabalho, mas não ensinassem as pessoas a usá-las.

O professor alfabetizador não deve se utilizar do texto apenas para fixar sílabas e letras. O texto deve conter uma mensagem que esteja a altura do entendimento da criança e que faça parte da sua realidade social.

Vejamos agora um outro texto produzido por uma criança de 2o. ano do Ensino Fundamental.

Era uma vez um macaco, caiu no lago e gritou para a macaca:

–  Socorro macaca, meu amor!

A macaca escutou e foi lá onde ele caiu e falou:

–  Meu querido, você está vendo, você vai ficar de molho na bacia até tirar este teu fedor.”

Como podemos ver, o texto produzido pela criança é natural e constitui uma unidade de comunicação.

Os aspectos mais negativos existentes nos materiais didáticos que são usados nas escolas como modelo de escrita são:

  1. Ausência de nexo – Os textos são um amontoado de sentenças. Não possuem uma ligação de sentido entre si e, por isso, não podem ser chamados de textos.

Exemplo:  O batismo de Zazá é no sítio.

Zizi vê o zebu.

Ela olha o céu azulado.

Ouve o zumbido das cigarras…

Zizi fala:

– Que beleza de batizado!

  1. Emprego de palavras e expressões pouco comuns e de uso mais formal, não coloquial. Os textos são artificiais, desvinculados da linguagem da criança.

Exemplo:     João construiu uma casa de areia na praia, mas as ondas a desmoronaram.

Como podemos ver, o professor, muitas vezes, propõe para o aluno a repetição de modelos que estão completamente afastados da sua realidade. Desta forma, não se desenvolve no alfabetizando a capacidade de expressão de mensagens significativas em língua escrita. Para se atingir este objetivo, é necessário que o professor alfabetizador adote novas atitudes tais como:

  1. Permitir e incentivar que a criança escreva sobre assuntos do seu interesse.
  2. Deixar que a criança escreva livremente, sem maiores preocupações com a ortografia.
  3. A correção da ortografia deve ser um momento para reflexão e não para punição.
  4. Não obrigar a criança a seguir os modelos preestabelecidos pelas cartilhas.
  5. Explorar situações reais da vida da criança como tema do texto a ser escrito pela criança.
  6. Não condicionar o ato de criação de textos ao de escrita correta das palavras.

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Depois da leitura do texto, como exercício, propomos que você reflita sobre a sua atitude em relação aos seus alunos (se você já exerce a profissão) ou aos seus futuros alunos (se você ainda não exerce a docência, mas pretende fazê-lo):

Responda:

  1. Você tem desenvolvido atividades criativas, que permitem a seus alunos realizarem uma exploração do mundo que os cerca? Como você faz ou fará isso?
  2. Você tem considerado a experiência de seus alunos? Como faz ou fará isso?
  3. Você tem utilizado palavras significativas ao realizar os procedimentos de alfabetizar? Como faz ou fará isso?
  4. A sua avaliação em termos de ortografia tem sido vinculada ao sentido que essas palavras devem ter no texto? Como você faz ou fará isso?
  5. Você  tem orientado seus alunos na elaboração de textos espontâneos? Como faz ou fará isso?

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Gabarito:

 Se você respondeu NÃO a qualquer uma destas perguntas, é importante rever seus procedimentos e até a visão que você tem do processo de alfabetização. Reflita sobre isso profundamente e, se chegar à conclusão de que precisa realizar mudanças, mãos à obra com toda a coragem. Lembre-se de que ninguém pode ser recriminado pelas falhas que comete por desconhecimento de um assunto, porém, esse desconhecimento pode gerar prejuízos incalculáveis a terceiros e isto gera uma grande responsabilidade para você.

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