10. NOVA CASA, NOVOS CONHECIMENTOS
O cinema como arte e espetáculo havia chegado ao seu auge. Tornara-se o tipo de lazer preferido pelas multidões que faziam filas quilométricas para comprar entrada e deliciar-se com os filmes em preto e branco. Mas, havia a censura. Nem todos os filmes podiam ser assistidos por todos. E também crianças e adolescentes não frequentavam o cinema à noite, pois nesse horário as fitas eram sempre proibidas para menores de 18 anos.
Manaus, na década de 1950, possuía muitas salas de projeção, os cinemas. Lembro-me de quase todos eles: Politeama e Guarani, que ficavam um ao lado do outro, ambos na esquina da Av. Sete de Setembro com a Av. Getúlio Vargas. O Politeama ficava de frente para o Colégio Dom Pedro II; o Guarani ficava de frente para a Praça conhecida como da Polícia, pois ali também estava o quartel da Polícia Militar da época. Havia também o Éden e o Avenida, localizados ambos na Av. Eduardo Ribeiro. Esses quatro cinemas ficavam localizados no centro da cidade. Mas também tinham outros cinemas localizados nos bairros. Havia um cinema no Bairro de Educandos, outro no Bairro de Cachoeirinha e outro no Alto de Nazaré. Esse último não esqueci seu nome. Chamava-se Cine Popular, também conhecido como Cine Poeira. Por que Cine Poeira? Porque era um prédio grande, mas mal cuidado. As cadeiras não eram tão confortáveis quanto aos dos outros cinemas do centro. Entretanto, este cinema foi importante para mim, pois foi nele que assisti a filmes que se tornaram clássicos do cinema mundial e também conheci atores e atrizes estrangeiros.
Foi assim: os negócios de papai, no restaurante popular, lá no centro da cidade, deram condições para que ele comprasse uma casa de madeira no Alto de Nazaré. Ficava no final da Rua Joaquim Nabuco com a Rua Silva Ramos, no sentido centro-bairro.
Lembro-me que quando nos mudamos para lá, eu já devia ter seis anos de idade, pois foi nessa casa que nasceu meu único irmão, Manoel, em 1952. Depois que meu irmão nasceu, papai construiu uma outra casa de alvenaria que tinha três pavimentos. Na parte da frente ele fez uma área comercial onde eram vendidos picolés, sorvetes, sucos de fruta, guaranás, bolos e salgados. Chamava-se Bar Tuchaua. Papai mandou pintar a figura de um índio na parede principal do bar, que era a mesma figura que aparecia nos rótulos das garrafas de refrigerante do mesmo nome, muito popular em Manaus. Acho que ele deve ter pedido licença ou autorização da fábrica, pois se tratava da marca de um produto fabricado em Manaus.
Os três pavimentos foram distribuídos na altura da parede que separava o bar do resto da casa, de modo que o telhado do último pavimento superior coincidia com o telhado que cobria a parte do bar, que na realidade era uma laje de concreto armado e para onde eu, de vez em quando subia por uma escadinha de ferro e ia apreciar o movimento da rua, lá de cima.
Os fundos da casa dava para um terreno em declive e lá no fundo havia uma casa de madeira ainda nova, que fazia parte do patrimônio comprado por papai. Nesta casa, algum tempo depois, veio morar meu tio Gabriel, um dos irmãos de meu pai. Nos fundos do terreno corria um igarapé de águas rasas e límpidas, onde a criançada da vizinhança costumava ir brincar.
Ao lado da casa que papai construiu haviam duas grandes árvores que cresceram uma ao lado da outra: uma jaqueira e um beribazeiro. Aprendi a gostar dessas frutas, pois elas têm gosto adocicado e quando era tempo das frutas aparecerem, papai sempre conseguia alguém para retirá-las dos galhos, antes que elas se espatifassem no chão.
Haviam muitas crianças que moravam próximo à nossa casa. Lembro-me especialmente de um grupo de irmãos que tinham uns nomes diferentes: Guaicuru, Bartira, Jandira. Era com Bartira e Jandira que eu mais brincava, pois tinham quase a minha idade e tamanho. Haviam outros irmãos mais velhos com nomes indígenas que me fogem à memória. Mas essa família não tinha nenhum traço físico parecido com índios. Eram todos brancos, com olhos claros e alguns com cabelo aloirado.
Também vizinho à nossa casa moravam uma família que eu achava meio esquisita. Só lembro bem de uma senhora idosa que era conhecida como D. Dondon e que tinha uma neta já adolescente. Descobri que D. Dondom frequentava uma igreja diferente daquela que eu ia sempre: ela era crente. Também descobri que ela rezava em crianças que eram acometidas de alguma febre ou outras coisas, pois minha mãe costumava levar meu irmão para que ela rezasse nele. Mas havia uma coisa que eu não conseguia entender quando fiquei mais adulta: como é que ela, sendo crente, fazia uma coisa que só as pessoas envolvidas com outras crenças, faziam? Até onde lembro, esse foi o primeiro contato que tive com crentes. Lembro também que fui convidada para assistir um programa de Natal na sua igreja, a Primeira Igreja Batista de Manaus, ainda hoje existente no mesmo endereço: Av. Joaquim Nabuco. Fiquei encantada com o programa, pois fizeram a encenação do nascimento de Cristo e cantaram muitas músicas bonitas.
Também morava na mesma rua e próximo a nossa casa, uma menina por nome Aracele e que muitos anos depois, fui encontrá-la em Boa Vista/RR, casada com um rapaz da família Souto Maior. Também haviam duas irmãs já adultas que moravam em frente a nossa casa. Chamavam-se Francisca e Augusta. Ambas eram professoras. Francisca não era muito amável, mas sua irmã era muito gentil. Havia nessa casa, uma mulher que era empregada doméstica da casa. Era conhecida como Caronchinha. Não sei o porquê desse apelido, mas as crianças das redondezas gostavam muito dela. Em geral, cedo da noite, nos reuníamos em volta dela, em frente a sua casa, para ouvirmos histórias de fadas, de bichos e de assombração. Anos mais tarde, encontrei Augusta, também conhecida como Guga, trabalhando como funcionária do Governo do Território Federal de Roraima, na Secretaria de Educação, onde eu também começara a trabalhar. Entre a nossa casa e a de Francisca havia um terreno baldio que papai mantinha sempre limpo por causa dos fregueses que frequentavam o bar. Lembro que no mês de junho, os moradores das redondezas se reuniam e armavam enormes fogueiras que eram queimadas na noite de Santo Antônio, São João e São Pedro. A criançada ficava eufórica com as adivinhações, as danças em volta da fogueira. Era uma festa! Era uma época em que não havia a proibição de fazer fogueira em homenagem aos santos do mês de junho