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Minhas Memórias

Minhas Memórias – cap. 24

By 2 February 2020No Comments

24. CASAR OU NÃO CASAR: EIS A QUESTÃO! 

          O namoro com Roberto foi ficando cada vez mais sério a ponto de que ele já falava em casamento. Mas ainda não tínhamos nenhuma estrutura financeira que permitisse o enlace. Apenas ele tinha emprego estável. Eu trabalhava como balconista na Casa Cruzeiro mas não era o emprego que eu iria ficar por muito tempo. Mas a ideia de casarmos foi amadurecendo e em DEZ/1967, ele criou coragem e foi pedir minha mão em casamento aos meus pais.

          Nunca vou esquecer a reação de minha mãe: ela disse não, na cara do Roberto, de uma maneira muito brusca e grosseira. Meu pai não esboçou nenhuma reação contrária ou a favor. Apenas respondeu que eu era adulta o suficiente (já tinha 21 anos) para escolher o caminho que eu quisesse tomar. Mas minha mãe, não. Ela disse: “Você pode até casar, mas fique sabendo que eu não concordo com esse casamento!” E não disse o porquê.

          Desse dia em diante deixou de falar comigo, apesar de eu tentar conversar com ela. A única vez que respondeu a pergunta que eu lhe fazia sempre “por que a sra. não quer que eu me case com Roberto?” ela respondeu: “Porque ele tem cabelo pixaim e é pobre.” Respondi então: “Ora, isso não são motivos para que eu não me case com ele. Ele não tem culpa de ter o cabelo ruim. E nós também não somo ricos. Veja onde moramos!”

          Nossa casa, na época, ficava na rua Cerejo Cruz entre as avenidas N. S. da Consolata e Benjamin Constant. Era uma casa inacabada. Não tinha luz, apenas água. Suas paredes de tijolo não tinham reboco; o piso era de barro batido; a cobertura era de palha de inajá, que já estava se desfazendo. Quando chovia apareciam goteiras em todos os cantos da casa. O único lugar da casa que não chovia era a cozinha, que era coberta de cavaco. Minha cama era uma porta velha que eu forrava com alguns lençóis que serviam de colchão. Eu nunca reclamei disso porque sabia que meu pai não tinha condições financeiras para melhorar a casa. Bastava que tínhamos onde morar, mesmo que em condições tão precárias. Meu irmão, por essa época passou a morar na casa do patrão, sr. Armando Gomes. Ele se tornara um faz tudo dentro da Casa Cruzeiro e gozava da confiança de toda a família, principalmente de Dona Hilda, a esposa do sr. Armando.

          Eu não conseguia entender essa atitude de minha mãe. Quando comecei a namorar com Roberto, ela o tratava muito bem e nunca demonstrou insatisfação nesse relacionamento. Mas, a partir do dia do pedido de casamento o ambiente ficou tenso e pedi para que ele não fosse mais em nossa casa, pois não queria vê-lo sendo maltratado por minha mãe. 

          Havíamos planejado nos casar no final do ano de 1968. Teríamos um ano para comprarmos o necessário sem muito luxo, pois não tínhamos muito dinheiro. Mas, a pressão muda que eu sentia por parte de minha mãe era muito grande e isso estava me levando a analisar que nós, eu e Roberto, poderíamos um dia chegar “às vias dos fatos”, isto é, poderíamos nos entregar um ao outro, fazendo sexo antes do casamento. Isso era algo que eu não pretendia fazer, nem com ele e nem com qualquer outro homem, sem estar casada legalmente. Primeiro, pelos princípios morais que me foram ensinados desde muito pequena. E principalmente porque um dos dez mandamentos de Deus diz: “Não adulterarás”. (Êxodo 20:14). Por isso, ficamos noivos em DEZ/67 e casamos em MAR/68.

           Apesar de que adultério significa ser infiel ao seu companheiro, e eu formalmente  ainda não tinha nenhum, eu estendia essa ideia para a condição de manter-me intacta até o dia do casamento, quando só então faria sexo com o rapaz com quem me casaria. Além do que o costume e a exigência da sociedade era essa. Roberto entendia isso e respeitava meu posicionamento. Mas a pressão de minha mãe precipitou o casamento.

          Os três meses que antecederam o nosso casamento foram de muitos preparativos. Havíamos decidido antecipar o evento por conta de pressão que mamãe fazia. A família de Roberto me aceitou como novo membro dela. A casa onde a família de Roberto morava ficava na esquina da Av. Mário Homem de Melo com a rua Ajuricaba, bem perto de uma área conhecida como “campo do Roraima”.

          Era um terreno grande onde se erguiam duas pequenas casas feitas de taipa e cobertas com palha de buriti. Em uma, morava Dona Zuíla com seu esposo, sr. Nelson Albuquerque e Roberto. Na outra, morava Maria de Lourdes (a mãe biológica de Roberto) e seus irmãos Rubens, Moisés (conhecido como Zeca Pezão) e Marily.

          A casa onde Lourdes morava era composta de sala, dois quartos, cozinha e uma área aberta, apenas coberta. Os espaços não eram grandes. Lourdes trabalhava como merendeira na Escola Monteiro Lobato os dois horários, de modo que usava o espaço apenas para dormir, pois a cozinha onde se faziam as refeições era a da casa de D. Zuíla. 

          Lourdes disponibilizou para nós morarmos após o casamento, parte da casa onde morava: o quarto que ficava nos fundos, a área coberta e a pequena cozinha. Tanto o quarto quanto a área coberta precisavam de acabamento: as paredes do quarto precisavam de reboco e de piso, assim como a área coberta, pois o piso era de chão batido. Roberto teve ajuda dos amigos do time, que fizeram o trabalho de reboco e piso e não cobraram nada por isso. 

         Não tínhamos muita coisa. Os poucos móveis que compramos eram usados: um guarda-roupa, uma cama com colchão de palha, um fogão à carvão.

          Apesar de mamãe não trocar uma única palavra comigo, ela me presenteou com uma mesa de madeira, feita de cedro, que papai havia mandado fazer quando ainda morava em Caracaraí. Eu a conservo até hoje e não pretendo me desfazer dela. Ficará para meus filhos e netos.

          Os irmãos da Igreja, sabendo de nossos parcos recursos para iniciar uma vida a dois, nos presentearam com coisas úteis dentro de uma casa, principalmente utensílios necessários em uma cozinha. Ganhamos até um filtro de água, feito de barro cozido, pois não tínhamos dinheiros para comprar uma geladeira.

          Casamos no dia 28 de março de 1968. Eu mesma confeccionei meu vestido de noiva. As lições de costura que minha tia Raimunda me deu quando morei em sua casa em Manaus, foram valiosas. O dinheiro que eu havia guardado só dera mesmo para comprar o tecido oriundo da Guiana Inglesa. Era mais barato e de melhor qualidade. O modelo era muito simples, mas como o tecido era “plissado” (cheio de pequenas dobras) ficou muito bonito, pelo menos para mim. E foi na casa da minha amiga Raquel que eu fiz meu vestido de noiva. A mãe dela tinha uma máquina de costura e Raquel, que havia chegado do Seminário para passar férias, ajudou-me nesse trabalho.

          Afinal, o dia do casamento chegou mas, da minha família, somente meu irmão Manoel compareceu. Nem meu pai nem minha mãe foram à cerimônia. Isto me deixou muito triste. Eu não podia compreender essa atitude. O que me consolava era o carinho e consolo que os irmão da Igreja me davam.   

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