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Passo a Passo da Leitura Literária

Dom Casmurro – cap. 46 e 47

By 25 April 2020No Comments

DOM CASMURRO – Capítulo 46

AS PAZES

          As pazes fizeram-se como a guerra, depressa. Buscasse eu neste livro a minha glória, e diria que as negociações partiram de mim; mas não, foi ela que as iniciou. Alguns instantes depois, como eu estivesse cabisbaixo, ela abaixou também a cabeça, mas voltando os olhos para cima a fim ver os meus. Fiz-me de rogado; depois quis levantar-me para ir embora, mas nem me levantei, nem sei se iria. Capitu fitou-me uns olhos tão ternos, e a posição os fazia tão súplices, que me deixei ficar, passei-lhe o braço pela cintura, ela pegou-me na ponta dos dedos, e…

          Outra vez D. Fortunata apareceu à porta da casa; não sei para que, se nem me deixou tempo de puxar o braço; desapareceu logo. Podia ser um simples desencargo de consciência, uma cerimônia, como as rezas de obrigação, sem devoção, que se dizem de tropel; a não ser que fosse para certificar aos próprios olhos a realidade que o coração lhe dizia…

          Fosse o que fosse, o meu braço continuou apertar a cintura da filha, e foi assim que nos pacificamos. O bonito é que cada um de nós queria agora as culpas para si, e pedíamos reciprocamente perdão. Capitu alegava a insônia, a dor de cabeça, o abatimento do espírito, e finalmente “os seus calundus”1. Eu, que era muito chorão por esse tempo, sentia os olhos molhados… Era amor puro, era efeito dos padecimentos da amiguinha, era a ternura da reconciliação.

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DOM CASMURRO – Capítulo 47

 “A SENHORA SAIU”

          – Está bom, acabou, disse eu finalmente; mas, explique-me só uma coisa, por que é que você me perguntou se eu tinha medo de apanhar?

          – Não foi por nada, respondeu Capitu, depois de alguma hesitação… Para que bulir2 nisso?

          – Diga sempre. Foi por causa do seminário?

          – Foi; ouvi dizer que lá dão pancada… não? Eu também não creio.

          A explicação agradou-me; não tinha outra. Se, como penso, Capitu não disse a verdade, força é reconhecer que não podia dizê-la, e a mentira é dessas criadas que se dão pressa em responder às visitas que “a senhora saiu”, quando a senhora não quer falar a ninguém. Há nessa cumplicidade um gosto particular; o pecado em comum iguala por instantes a condição das pessoas, não contando o prazer que dá a cara das visitas enganadas, e as costas com que elas descem… A verdade não saiu, ficou em casa, no coração de Capitu, cochilando o seu arrependimento. E eu não desci triste nem zangado; achei a criada galante, apetecível3, melhor que a ama.

          As andorinhas vinham agora em sentido contrário, ou não seriam as mesmas. Nós é que éramos os mesmos; ali ficamos, somando as nossas ilusões, os nossos temores, começando já a somar as nossas saudades.

Nota explicativa:

1 – calundus: palavra de origem africana, que significa mau humor.

2 – bulir: mexer, provocar

3 – apetecível: desejável 

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Questões:

1. No cap. 46, Bentinho descreve como se deu as pazes entre ele e Capitu. Mas durante essa situação, a mãe de Capitu aparece e interrompe algo que poderia ter acontecido. O que poderia ter acontecido, se Dona Fortunata não tivesse aparecido no local?

Resposta:

Possivelmente Bentinho teria dado um beijo em Capitu. É o que as reticências colocadas no final da frase “passei-lhe o braço pela cintura, ela pegou-me na ponta dos dedos, e…” nos leva a concluir.

2. No cap. 47, Bentinho chegou a uma conclusão sobre a explicação de Capitu a respeito da pergunta “se ele tinha medo de apanhar”. Qual foi essa conclusão?

Resposta:

Bentinho concluiu que Capitu lhe deu outra versão dos verdadeiros motivos que a levaram fazer essa pergunta. 

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