DOM CASMURRO – CAPÍTULO 48
JURAMENTO DO POÇO
– Não! exclamei de repente.
– Não quê?
Tinha havido alguns minutos de silêncio, durante os quais refleti muito e acabei por uma ideia; o tom da exclamação, porém, foi tão alto que espantou a minha vizinha.
– Não há que ser assim, continuei. Dizem que não estamos em idade de casar, que somos crianças, criançolas, – já ouvi dizer criançolas. Bem; mas dois ou três anos passam depressa. Você jura uma coisa? Jura que só há de casar comigo?
Capitu não hesitou em jurar, e até lhe vi as faces vermelhas de prazer. Jurou duas vezes e uma terceira:
– Ainda que você case com outra, cumprirei o meu juramento, não casando nunca.
– Que eu case com outra?
– Tudo pode ser, Bentinho. Você pode achar outra moça que lhe queira, apaixonar-se por ela e casar. Quem sou eu para você lembrar-se de mim nessa ocasião?
– Mas eu também juro! Juro, Capitu, juro por Deus Nosso Senhor que só me casarei com você. Basta isso?
– Devia bastar, disse ela; eu não me atrevo a pedir mais. Sim, você jura… Mas juremos de outro modo; juremos que nos havemos de casar um com o outro, haja o que houver.
Compreendeis a diferença; era mais que a eleição do cônjuge, era a afirmação do matrimônio. A cabeça da minha amiga sabia pensar claro e depressa. Realmente, a fórmula anterior era limitada, apenas exclusiva. Podíamos acabar solteirões, como o sol e a lua, sem mentir ao juramento do poço. Esta fórmula era melhor, e tinha a vantagem de me fortalecer o coração contra a investidura eclesiástica. Juramos pela segunda fórmula, e ficamos tão felizes que todo receio de perigo desapareceu. Éramos religiosos, tínhamos o céu por testemunha. Eu nem já temia o seminário.
– Se teimarem muito, irei; mas faço de conta que é um colégio qualquer; não tomo ordens.
Capitu temia a nossa separação, mas acabou aceitando este alvitre, que era o melhor. Não afligíamos minha mãe, e o tempo correria até o ponto em que o casamento pudesse fazer-se. Ao contrário, qualquer resistência ao seminário confirmaria a denúncia de José Dias. Esta reflexão não foi minha, mas dela.
____________________________________________________________
DOM CASMURRO – CAPÍTULO 49
UMA VELA AOS SÁBADOS
Eis aqui como, após tantas canseiras, tocávamos o porto a que nos devíamos ter abrigado logo. Não nos censures, piloto de má morte, não se navegam corações como os outros mares deste mundo. Estávamos contentes, entramos a falar do futuro. Eu prometia à minha esposa uma vida sossegada e bela, na roça ou fora da cidade. Viríamos aqui uma vez por ano. Se fosse em arrabalde, seria longe, onde ninguém nos fosse aborrecer. A casa, na minha opinião, não devia ser grande nem pequena, um meio-termo; plantei-lhe flores, escolhi móveis, uma sege e um oratório. Sim, havíamos de ter um oratório bonito, alto, de jacarandá, com imagem de Nossa Senhora da Conceição. Demorei-me mais nisto que no resto, em parte porque éramos religiosos, em parte para compensar a batina que eu ia deitar às urtigas; mas ainda restava uma parte que atribuo ao intuito secreto e inconsciente de captar a proteção do céu. Havíamos de acender uma vela aos sábados…
NOTAS EXPLICATIVAS
Criançolas – adultos que se comportam como crianças
Alvitre – sugestão, conselho, decisão própria
Arrabalde – região ao redor de cidade, subúrbio
Sege – carruagem antiga, com um assento e duas rodas, puxada por dois cavalos.
________________________________________________
QUESTÕES
- Qual é o principal assunto do capítulo 48?
- No capítulo 49, Bentinho descreve um lugar. Que lugar é esse?
Respostas:
- O juramento que Capitu e Bentinho fizeram entre si sobre o casamento dos dois.
- O lugar onde, possivelmente, ele e Capitu irão morar quando casarem.