DOM CASMURRO – CAPÍTULO 6
Propondo-se a retratar fielmente o personagem, o escritor realista tanto procura representar o seu mundo interior, analisando o seu caráter, motivações e interesses, como procura situá-lo em seu contexto social. É o que Machado de Assis faz com o personagem Tio Cosme, neste capítulo. É a análise psico-social do personagem.
TIO COSME
Tio Cosme vivia com minha mãe, desde que ela enviuvou. Já então era viúvo, como prima Justina; era a casa dos três viúvos.
A fortuna troca muita vez as mãos à natureza. Formado para as serenas funções do capitalismo, tio Cosme não enriquecia no foro: ia comendo. Tinha o escritório na antiga Rua das Violas1, perto do júri, que era no extinto Aljube2. Trabalhava no crime. José Dias não perdia as defesas orais do tio Cosme. Era quem lhe vestia e despia a toga, com muitos cumprimentos no fim. Em casa, referia os debates. Tio Cosme, por mais modesto que qui-sesse ser, sorria de persuasão.
Era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos. Uma das minhas recordações mais antigas era vê-lo montar todas as ma-nhãs a besta que minha mãe lhe deu e que o levava ao escritório. O preto que a tinha ido buscar à cocheira, segurava o freio, enquanto ele erguia o pé e pousava no estribo; a isto seguia-se um minuto de descanso ou reflexão. Depois, dava um impulso, o primeiro, o corpo ameaçava subir, mas não subia; segundo impulso, igual efeito. Enfim, após alguns instantes largos, tio Cosme enfeixava todas as forças físicas e morais, dava o último surto da terra, e desta vez caía em cima do selim. Raramente a besta dei-xava de mostrar por um gesto que acabava de receber o mundo. Tio Cosme acomodava as carnes, e a besta partia a trote.
Também não me esqueceu o que ele me fez uma tarde. Posto que nascido na roça (donde vim com dois anos) e apesar dos costumes do tempo, eu não sabia montar, e tinha medo ao cavalo. Tio Cosme pegou em mim e escanchou-me em cima da besta. Quando me vi no alto (tinha nove anos), sozinho e desamparado, o chão lá em baixo, entrei a gritar desesperadamente: “Mamãe! Mamãe!” Ela acudiu, pálida e trêmula, cuidou que me estivessem matando, apeou-me, afagou-me, enquanto o irmão perguntava:
– Mana Glória, pois um tamanhão destes tem medo de besta mansa?
– Não está acostumado.
– Deve acostumar-se. Padre que seja, se for vigário na roça, é preciso que monte a cavalo; e, aqui mesmo, ainda não sendo padre, se quiser florear como os outros rapazes, e não souber, há de queixar-se de você, mana Glória.
– Pois que se queixe; tenho medo.
– Medo! Ora, medo!
A verdade é que eu vim a aprender equitação mais tarde, menos por gosto que por vergonha de dizer que não sabia montar. “Agora é que ele vai namorar deveras”, disseram quando eu comecei as lições. Não se diria o mesmo de tio Cosme. Nele era velho costume e necessidade. Já não dava para namoros. Contam que, em rapaz, foi aceito de muitas damas, além de partidário exaltado; mas os anos levaram-lhe o mais do ardor político e se-xual, e a gordura acabou com o resto de ideias públicas e específicas. Agora só cumpria as obrigações do ofício e sem amor. Nas horas de lazer vivia olhando ou jogava. Uma ou outra vez dizia pilhérias.
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Vocabulário
Rua das Violas1 – Atual Rua Teófilo Otôni
Aljube2 – este prédio, no centro da cidade do Rio de Janeiro (hoje demolido) foi construído em 1733 como prisão para religiosos que cometessem crimes graves. D. João VI o transformou em cadeia comum (1808). Em 1840, foi usado para abrigar o Tribunal do Júri.
Persuasão – convicção, certeza.
Pilhérias – anedotas, piadas.
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- O capítulo descreve um personagem do livro. Quem é?
- Faça um resumo da descrição do personagem contendo:
a) relação de parentesco entre o personagem e as outras pessoas citadas no capítulo, inclusive com o narrador;
b) atividade profissional;
c) situação social, financeira e familiar.
Cadê as respostas?
Olá! Se você ler com atenção o comentário que aparece antes do início do capitulo, encontrará a resposta da primeira pergunta. Quanto à segunda questão, a formulação da resposta é individual, necessitando apenas que contenha o que é pedido.